sábado, 31 de outubro de 2015

Sicario: terra de ninguém -- Bom que flerta com o razoável

Soa estranho que um filme com artistas consagrados e história razoavelmente comercial não consiga chamar a atenção do público em geral. Não obstante, "Sicario: terra de ninguém" é um bom filme - aquele "bom" apenas bom, longe do "ótimo", longe do "ruim", que flerta com o "razoável".

O grande trunfo é o elenco, a começar pela excelente Emily Blunt, que não dá o melhor de si porque o roteiro não permite. A atriz consegue variar facilmente entre essência frívola ("O diabo veste Prada"), aventureira ("Os agentes do destino") e corajosa ("No limite do amanhã") com maestria ímpar. Em "Sicario", ela vive Kate, uma policial cuja função no filme é exclusivamente apontar um limite moral para as demais personagens. A característica marcante da policial é seu senso moral, com um quê de ingenuidade e muito de dedicação, nada mais. É pouco para uma atriz do seu gabarito. Contudo, Blunt "tira água de pedra". Diversamente, o também excelente Benicio Del Toro interpreta Alejandro, cuja função na narrativa é a álea. Isto é, Alejandro serve como fator surpresa, pois é impossível saber o que ele pensa, o que planeja e qual o seu desfecho, exceto no terceiro ato do filme, em que ele ganha maior importância - lamentavelmente, em detrimento de Kate, a protagonista. Quem teve sorte foi Josh Brolin, pois Matt é a encarnação da máxima maquiavelina pela qual os fins justificam os meios. Sem dúvida, Matt é a personagem mais fascinante e rica: não é light como Kate, nem hot como Alejandro. Em termos de temperamento, Matt é fiel ao seu objetivo, que aos poucos é revelado. A imprevisibilidade não reside na sua personalidade como no caso de Alejandro: Matt é imprevisível porque pouco se sabe o que almeja. Não que esse não seja o caso de Alejandro, mas, enquanto Matt é, aparentemente, um policial sem limite, mas que tem algum norte (sua missão como policial), sobre Alejandro quase nada se sabe (de onde veio e para onde vai, literalmente). Matt se contrapõe a Alejandro, mas a dupla, em tese, é afinada. Já em relação a Kate, há uma evidente contraposição: Kate é dedicada, ética e profissional; Matt é desleixado a ponto de ir a uma reunião de trabalho com chinelos do tipo "Havaianas". Daniel Kaluuya merece menção ao cumprir bem um papel de Sancho Pança que lhe foi incumbido.

Se o elenco é o ponto forte, o roteiro é o ponto fraco. A premissa é muito boa, pois uma história sobre o duelo polícia versus tráfico sempre tem potencial. O caminho que a narrativa toma é o correto, mas acaba se perdendo ao abandonar sua protagonista e fazer com que Alejandro se torne a estrela. O resultado é ruim porque o itinerário até então regular se torna exageradamente imprevisível e, principalmente, se perde. O grupo tem uma missão, quando cresce até chegar ao auge da missão, abandona sua linearidade e se aproxima do inverossímil. A história é infiel consigo mesma, ficando tola. Alejandro não dá conta da expectativa que é gerada em cima do enigma feito em si. O terceiro ato não é apenas confuso, é frustrante.

Fica difícil afirmar que apenas a atuação torna o filme bom, já que o roteiro não o é. Difícil, mas não impossível, pois "Sicario" acerta nos detalhes. Efeitos sonoros competentes e design de produção nota 8. Se a montagem se equivoca na inconstância do ritmo, a direção acerta ao utilizar todos os movimentos de câmera pertinentes para cada plano. Em especial a prevalência da dualidade de planos gerais com travelling e planos conjuntos e com panorâmica. Isso sem contar o zoom nos planos abertos e mesmo nos médios. Denis Villeneuve fez o que pode com a obra que tinha em mãos, seu azar foi o roteiro fajuto, apesar de um pano de fundo interessante, qual seja, a guerra ao narcotráfico. E o conjunto se torna bom.

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