terça-feira, 20 de outubro de 2015

Peter Pan -- Chega de Pan

Nada se cria, tudo se copia. É com base nessa máxima que resolveram fazer mais um - sim, mais um - "Peter Pan" (no original, apenas "Pan" no título). A grande mudança em relação aos demais é explorar as origens da personagem e da própria Terra do Nunca, proposta que até seria interessante, não fossem tantos os filmes sobre essa mesma diegese fantasiosa.

Não obstante, o filme conta com alguns acertos. O primeiro foi a direção de Joe Wright, que se mostrou hábil ao criar um ambiente fantasioso e colorido, com um quê de carnavalesco. Isso sem contar a transição, pois a obra passa por alguns ambientes distintos: o primeiro, mais rápido, é a Londres no início da 2ª Guerra; o segundo, introduzindo Peter, é também a Londres da 2ª Guerra, especificamente o orfanato em que Peter reside; o terceiro, introduzindo a Terra do Nunca, é a área em que o vilão Barba Negra é soberano (lembrando um pouco os domínios de Immortan Joe, de "Mad Max: estrada da fúria"); por fim, um quarto ambiente que é a verdadeira Terra do Nunca, onde Peter encontra os indígenas e vislumbra a beleza do local. Em termos de design de produção, a transição do sombrio para o alegre - ainda que eventualmente obscuro no meio do caminho, como na cena das sereias - é feita de forma natural, nada forçado. A estética é a ideal. Até mesmo a trilha sonora é compatível com essa transição, incluindo Nirvana e Ramones (e melhor: absolutamente coerente com a cena!) na apresentação do Barba Negra, para depois músicas no estilo de aventura, como é o filme. Uma aventura fantasiosa e empolgante, que acerta em muitos aspectos técnicos, notadamente visuais e sonoros - sem brilhantismo, mas com competência. Mas não todos.

O roteiro parte da premissa de uma boa ideia e termina na boa ideia. Talvez a montagem irregular tenha cooperado para a quebra de ritmo, variando entre a ação e a monotonia com rapidez exagerada. Mas fato é que a narrativa se sustenta unicamente por apresentar a realidade fantástica de Peter e da Terra do Nunca, sem surpresas e, o que é pior, sem profundidade alguma. Ainda mais grave é a ausência de exploração da clássica ideia pela qual Peter é conhecido: criança que não queria crescer. A dramaticidade da personagem existe muito mais em razão da sua condição de órfão do que por outros fatores. Assim, o protagonista acaba ficando vazio, um herói com propósito ególatra que pouco consegue se sustentar. O único aspecto positivo é a constante dúvida de Peter sobre si mesmo e suas capacidades. Foi inteligente inserir um herói bravo, porém inseguro sobre si, elemento da sua personalidade que foi melhor explorado. Mas é pouco. Nem mesmo a boa interpretação do promissor Levi Miller consegue salvar um Peter reduzido à busca da mãe e à própria insegurança. Ainda assim, Miller sabe variar entre a aventura e o drama quando exigido - caso contrário, com um ator ruim, o filme poderia ter sido um fracasso.

Seguindo na atuação, como previsto, é Hugh Jackman quem mais brilha. Em uma interpretação diferenciada daquela que já conhecemos (nem parece o mesmo ator de Wolverine), Jackman, em atuação farsesca, dá vida a um vilão que sabe a medida certa da sua vilania. A aparição inicial impressiona ante à grandiosidade da personagem, que escraviza as crianças com um discurso de alienação, e os elementos externos também colaboram, como a trilha sonora - em especial "Smells like teen spirits" (Nirvana) - e a filmagem que aumenta o pirata - maior profundidade de plano e angulação de baixo para cima. Barba Negra faz uma entrada triunfal, cabendo a um supermaquiado Jackman conduzir o déspota da Terra do Nunca. Ele é, sem dúvida, um grande ator. As cenas com Miller são as mais fascinantes, elevam a narrativa a outro patamar. Só não se pode afirmar que a dupla carrega o filme nas costas (afinal, a história em si é fajuta e muito mal conduzida) porque o visual é ótimo.

Os coadjuvantes são competentes, o que não é pouco. Garrett Hedlund não é um primor, mas está distante de ser ruim. O ator compreendeu que a proposta era de um Gancho (ainda não capitão e ainda não vilão, embora um pouco misterioso) surpreendentemente heroico (pois arredio e aparentemente egoísta no início) e, principalmente, galanteador. Para essa proposta, Hedlund dá conta - e sobra capacidade. Porém, seria difícil imaginá-lo como o Capitão Gancho, grande vilão que conhecemos.  Em outras palavras, o ator se dá bem ao interpretar um herói coadjuvante que alterna entre momentos de coragem (e consequente heroísmo) e de galanteio, mas não se pode saber se ele daria conta ao Gancho clássico, vilão implacável. Difícil não prever um fracasso em uma eventual continuação colocando Hedlund como o conhecido Capitão Gancho. Por sua vez, Rooney Mara interpreta uma coadjuvante opaca.

A bem da verdade, a grande falha reside no roteiro. O elenco é ótimo, a direção é muito boa, tem bons efeitos especiais - um 3D razoável -, mas peca mesmo na história. Uma narrativa inconstante e que não consegue empolgar em momento algum. Se a premissa não é ruim, a condução certamente o é. Para uma aventura, nesse sentido, deixa a desejar, pois não consegue fazer o espectador realmente torcer pela "vitória do bem contra o mal". O trunfo fica exclusivamente na tela, não passando para o espectador. O que lá se encontra é belo, mas não mexe com quem assiste - no máximo, fica com pena do garoto órfão. Se a ideia é fazer uma franquia (ou, no mínimo, uma trilogia), "Peter Pan" deixa a desejar como impulso inicial e não promete continuar com qualidade. Mais: considerando que tudo se copia, seria um alento não continuar nessa história batida.

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