terça-feira, 6 de outubro de 2015

Perdido em Marte -- Competente, mas modesto

Embora a existência de um bom vilão costume ser recomendável, a regra não é absoluta, mais ainda se o carisma do protagonista for autossuficiente. É dessa premissa que partiu o roteiro (adaptado) de "Perdido em Marte", novo filme de Ridley Scott (diretor) - melhor que os últimos (e muito melhor que o desastre "Prometheus"), mas ainda distante da genialidade.

A construção do protagonista Mark Watney, interpretado de forma razoável pelo normalmente fraco Matt Damon, tem muitos pontos positivos: Watney é carismático, inteligente, persistente, corajoso e dotado de um bom humor ímpar. É justamente aí a primeira falha na sua personalidade: se Damon se dá bem no lado cômico (evidentemente, sem ridicularizar a personagem, até porque o objetivo de Scott não foi criar uma comédia), o lado dramático é inexistente, tornando Watney quase oco em termos de emoção. Ainda que a intenção seja enfatizar a veia cômica e bem humorada de Watney, ele, presumidamente humano, em algum momento deveria ter uma reação negativa às previsíveis - algumas bem previsíveis - adversidades que enfrenta. Nem mesmo a somatória entre a solidão em Marte e as adversidades enfrentadas são capazes de abalar o incrivelmente inabalável protagonista. Sem dúvida, seu psicológico é exemplar e sobre-humano (quem sabe ele não seja realmente marciano, como o título original indica). Mais simples e vergonhosa é a segunda falha: enquanto atores como Christian Bale moldam seus corpos para os papéis que fazem (emagrecendo e ganhando músculos sempre que necessário, ainda que em detrimento da própria saúde), Damon nesse quesito foi incapaz, claramente usando um dublê de corpo em cenas deploráveis que tentam ludibriar o espectador. Isso foi vergonhoso e basta para afastar qualquer um que defenda uma premiação ao ator pelo papel. Não obstante, o carisma de Damon conduz o filme do começo ao fim, dispensando um vilão - que poderia ser Jeff Daniels... mas não é. Tudo gira em torno de Mark Watney, fazendo jus ao título.

Se Damon ocupa todo o "espaço" de atuação, pouco resta aos coadjuvantes. Os únicos que conseguem um algo a mais que simplesmente ser uma engrenagem para mover a narrativa são Donald Glover (que não tem parentesco com o também ator Danny Glover), em aparição curta, mas chamativa, e Jessica Chastain, a melhor entre os coadjuvantes. Chastain interpreta Melissa Lewis, a comandante dos astronautas que foram a Marte (incluindo Watney, que é abandonado porque dado como morto pelos colegas após uma tempestade no Planeta Vermelho). Sua competência no papel fica visível em nuances da personalidade de Lewis, variando entre o despotismo necessário de uma líder, a responsabilidade inerente ao cargo de "chefia" e a preocupação normal em relação à situação de Watney (normal para pessoas normais, o que não inclui Watney). Kristen Wiig, Jeff Daniels, Michael Peña, Sebastian Stan, Kate Mara e Chiwetel Ejiofor estão no piloto automático, quiçá pela empolgação relativa a participar de um filme de astronautas. Sean Bean é desperdiçado com um papel pouco significativo.

E também se Damon ocupa todo o "espaço" de atuação, a ele não foi fornecida toda a tela. Ridley Scott faz um excelente trabalho de câmera, primeiro ao focar em Mark Watney sempre que necessário, com planos abertos, médios e primeiros. Mas são os planos gerais e conjuntos que fascinam, não apenas pelo ótimo (ainda que não essencial) 3D, mas por uma fotografia belíssima e muito viva, representando de modo eficaz o espaço e, é claro, Marte. Sem, contudo, superar o notável "Gravidade" de Alfonso Cuarón, melhor em todos os aspectos. De todo modo, a atmosfera criada pelos efeitos visuais - ao contrário dos inexpressivos efeitos sonoros - tem sua qualidade.

Criando uma zona de conforto a partir do carisma do protagonista e belos planos, "Perdido em Marte" não é audacioso, nem sequer original (quase um mix entre "Náufrago", "Interestelar" e "Gravidade", dentre vários outros). Tudo se copia, e não souberam beber da clássica fonte de Daniel Defoe, Robinson Crusoé. Tiveram a feliz coincidência de tratar de um planeta que está na moda atualmente (basta conferir notícias dadas pela NASA). E a sagacidade de (1) dispensar a complexidade científica de "Interestelar", para não correr o risco de se tornar incompreensível e (2) evitar a dramaticidade de "Gravidade", impedindo que soasse minimamente piegas. O resultado é um bom produto: simplório, mas efetivo; competente, mas modesto.

Um comentário:

  1. A atuação do protagonista realmente deixou a desejar, já que ele não conseguiu expressar o drama, a preocupação de estar sozinho naquele lugar...faltou emoção em seu papel!!

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