quarta-feira, 28 de junho de 2017

O Círculo -- Muito mal desenvolvido

Para fazer uma análise justa e bem fundamentada sobre o filme O CÍRCULO, é necessário trazer alguns spoilers (que serão devidamente marcados), pois o que ele tem de pior começa a partir do segundo ato. Contudo, fica registrado o alerta de spoilers.

A protagonista do longa é Mae (Emma Watson), contratada pela gigante "O Círculo", responsável por gerenciar via web a vida de seus usuários. Participando das atividades, Mae descobre que a empresa funciona como uma grande comunidade que conecta as pessoas entre si, desconectando-as do mundo exterior e tendo bastante ciência sobre sua vida e suas atividades - cada vez mais.

Não é difícil perceber que o argumento é maravilhoso: relevante, contemporâneo e espinhoso. Um monitoramento pessoal constante pode trazer benefícios, e isso aparece, como em termos de saúde, sendo possível adiantar doenças potenciais, por exemplo. Apesar dos benefícios, a questão nevrálgica é a dilapidação da privacidade, que, a bem da verdade, é cada vez menor em tempos contemporâneos, mas ganha um formato radical na película. Quão preciosa é a privacidade das pessoas? Qual seu limite impenetrável? São questões como essas que o filme faz refletir, sugerindo a resposta mais fácil, provavelmente por não ousar dar mais complexidade a um tema que já é complexo por si só.

Nisso entram as personagens, que não são tão complicadas. A protagonista Mae é a heroína não muito confiável, seja porque não representa a confiança que dela se espera, seja porque é graças a ela (ainda que não sozinha) que, em síntese, tudo dá errado. Na verdade, o grande problema é que ela é bastante suscetível ao alheio, revelando-se uma personagem cuja personalidade é facilmente influenciável. Dentro da empresa, existem correntes antagônicas, ainda que uma se esconda, e, por mais estranho que possa parecer, ela sugere querer agradar a ambas em todos os momentos. Exemplo disso é quando um estranho a convida para ir a sós com ela em um local desvigiado (palavras dela) e ela aceita. Ou Mae pode ser manipulada por quem está próximo, ou ela quer agradar a todos, tese corroborada por sua decisão de usar a câmera 24 horas por dia. O que é certo sobre ela é que a internet lhe é essencial, nesse sentido, Mae e Mercer são opostos, já que, para ele, socializar precisa ser real. E isso acaba sendo bem importante, ainda que a aparição de Ellar Coltrane em tela acabe sendo pequena, de modo que Mercer tenha participação oblíqua na narrativa. Pior ainda John Boyega, cujo papel consiste numa presença misteriosa que vai e vem de acordo com as conveniências do roteiro. A direção acerta em colocá-lo sempre deslocado, a mise en scène relativa à personagem está correta e sua atuação é boa, mas Ty podia ser melhor explorado.

Fica claro que o objetivo era dar todo o espaço possível para Emma Watson faça Mae brilhar. Watson é uma boa atriz, mas distante da excelência que alguns enxergam. Seu espaço é tão grande que até mesmo Tom Hanks tem papel reduzido, fazendo com que Eamon Bailey seja um pseudo-antagonista de segundo escalão. Eamon está acima dos "plebeus" que trabalham na empresa, enquanto Mae se mostra diferenciada. No geral, os funcionários são bastante alienados, de uma maneira que o roteiro faz questão de tornar extrema, em especial em uma cena que transita entre o bizarro e o assustador, entre o revoltante e o patético. Mas O Círculo torna as pessoas esquisitas, não por outra razão Annie, amiga de Mae, é uma workaholic exemplar - Karen Gillan faz o que provavelmente foi o melhor trabalho de atuação do longa em razão da mutação sofrida pela personagem.

Entretanto, é justamente essa mutação presente no script o grande problema do longa, não pela sua existência, mas pela maneira como ocorreu. Resumidamente, há um salto gigantesco no segundo ato, ao qual se seguem saltos menores, revelando uma montagem absurdamente ruim que prejudica demais o filme. (Os spoilers começam aqui!) Como a saúde do pai de Mae melhorou tão rapidamente? Por que ela furtou o caiaque? Como Mae se tornou tão próxima de Eamon e tão importante para o Círculo de maneira tão repentina? Depois de um episódio ruim, ela já é entrevistada por ele como exemplo, aparentando já ser conhecida há um tempo. E por que Annie mudou tanto no relacionamento com Mae e até mesmo consigo? Poderia estar com inveja, mas isso não explica o figurino discreto e a ausência de maquiagem. Também não explica o Big Brother que vira a vida de Mae, momento em que a direção comete equívoco gigantesco, pois, quando Emma Watson quebra a quarta parede - ao contrário do que ocorre com outros filmes que o fazem da maneira correta -, o espectador sai da atmosfera diegética e lembra o quão surreal aquilo é (e se torna ainda cada vez mais surreal). Pior, "O Círculo" adquire proporções megalomaníacas, sugerindo que, com a proposta oferecida, não mais haveriam fugitivos da Justiça - porém, não explica a razão pela qual é Mae quem conduz a ferramenta SoulSearch, e não Eamon. Enfim, depois de um grande salto (referente à cena do caiaque, totalmente deslocada e desconexa do resto do filme), o filme perde a credibilidade graças à sua montagem caótica, que tem outros furos temporais e presume que o espectador fará a sutura necessária.

Ora, a sutura é sempre feita pelo espectador, pois sempre existem lacunas a serem preenchidas. Isso não significa, contudo, que a narrativa não precisa de lógica, porque, na prática, o que a montagem do filme faz é sabotar a organização que o texto pode ter tido em sua origem. Assim, ainda que James Ponsoldt (diretor e co-roteirista) não tenha feito um trabalho ruim, é lamentável pensar que O CÍRCULO podia ser um ótimo filme, já que o argumento tinha potencial. Só que foi muito mal desenvolvido, tendo, inclusive, um desfecho bastante óbvio - o drama no clímax também não ajuda a dar maiores emoções. Portanto, não passa de um filme menor na carreira dos grandes artistas envolvidos.

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