quarta-feira, 7 de junho de 2017

Inseparáveis -- Deuses do cinema, cadê vocês?

É estranho pensar que Marcos Carnevale conseguiu que duas obras suas fossem refilmadas: "Elsa & Fred - Um Amor de Paixão" recebeu um remake hollywoodiano e "Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho" foi refilmado na França. Curiosamente, o já clássico francês "Intocáveis" recebeu uma versão argentina, comandada por ninguém menos que Carnevale: INSEPARÁVEIS.

O plot é exatamente o mesmo do original francês: a amizade inesperada entre um rico empresário tetraplégico e seu inusitado assistente. A questão é: raríssimas vezes a cópia supera o original - e "Inseparáveis" não é exceção.

Seguindo a cartilha dos remakes, o roteiro é praticamente idêntico, inclusive com as mesmas cenas, como a que o assistente derruba chá quente nas pernas do empresário (e percebe que este não sente) e a que o assistente se surpreende pelo valor de um quadro de arte abstrata. Os interesses amorosos dos dois também são repetidos, sem grandes novidades. Até mesmo o drama pessoal do assistente é bastante similar, tudo para chegar na mesma conclusão temática, relativa à ternura no tratamento pessoal e na alegria de viver, algo que só Tito, o assistente, conseguiu ensinar para o empresário Felipe.

Portanto, para quem viu o francês, é tudo repetição do que já se conhece, nada substancialmente novo, nada criativo, apenas uma nova roupagem que sequer é inovadora. Para quem não viu, falta um diferencial que apenas o francês tem: Omar Sy. Dito de outra forma: o grande diferencial é Omar Sy, cuja ausência é sentida. Na versão francesa, quem atua como Phillippe é François Cluzet, um ator renomado cujo talento é comparável ao do argentino Oscar Martinez. Assim, no papel do empresário, a diferença não é sentida, embora Cluzet tenha se saído melhor - talvez não tanto pelo talento, mas pelo trunfo do "fator novo", pois, por ter aparecido antes, sua personagem ainda era inédita, fator que lhe foi favorável. O mesmo não se pode dizer de Rodrigo de la Serna, ator de interpretação forçada e muito aquém da espontaneidade cômica do já consagrado Omar Sy. Nesse caso, não é o "fator novo" que prepondera, é certamente o talento, pois Sy usa em seu favor o corpanzil desproporcional (em relação a um tetraplégico, ressalte-se) para dar o humor à personagem, ampliando a comicidade da cena. Vale dizer, é engraçado por si só imaginar um homem do seu tamanho limpando as fezes de um senhor deficiente, carregando-o na cadeira de rodas, dando comida na sua boca e assim por diante - essa é a parte da vantagem corporal. E o ator usa isso em seu favor, explorando o desconforto e a insatisfação, e até mesmo o aparente paradoxo (meramente visual, é claro) da cena - essa é a parte do talento. Já Rodrigo de la Serna é apenas um palhaço tentando fazer a plateia rir, sem êxito. Resumidamente, o assistente francês é muito mais engraçado, pois o ator é muito melhor.

Já no que se refere à direção, Marcos Carnevale, se não chega a ser Campanella, entende do ofício. Seu maior erro, além da fidelidade exagerada ao original, é não injetar DNA argentino à película, tornando-a genérica quanto à nacionalidade. Essa não foi uma preocupação de "Intocáveis" porque até então o filme era único, o que não é o caso de "Inseparáveis". Carnevale tem a preocupação de colocar Tito com uma camiseta com Bob Marley estampado quando ele fuma maconha, mas se esquece de dar uma personalidade argentina ao longa como um todo, algo que o caracterize, para além das locações. A trilha sonora recebe atenção em todo o filme, como no original, e é o único quesito em que o remake talvez supere o francês, pois, enquanto o europeu preferiu músicas cantadas e já conhecidas, o sulamericano usou músicas desconhecidas (talvez originais) e quase todas instrumentais. A única música não instrumental é memorável porque recebe a personalidade argentina que faltou nas demais cenas, pois presente em uma sequência bastante divertida, que, por sinal, já é divertida no filme de 2011.

E volta a questão: o original é de 2011; nesse caso, era necessário um remake em 2017? Artisticamente falando, a resposta é negativa. Porém, já está previsto uma versão hollywoodiana. Os tempos são de globalização também do cinema, em que filmes iranianos podem ser vistos por adolescentes estadunidenses, por exemplo. O momento da sétima arte é de explosão mundial, de difusão cultural e não repetição e mais do mesmo. Onde estão os deuses do cinema para salvar os cinéfilos de tantos remakes desnecessários?

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