quinta-feira, 1 de junho de 2017

Mulher-Maravilha -- Enorme acerto (crítica sem spoilers!)

O blog ficou um tempo sem atualização em razão do hiato sem filmes bons. Porém, felizmente, um ótimo filme entrou em cartaz e é o objeto da crítica que segue.
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Demorou, mas enfim em 2017 os cinemas recebem o primeiro grande filme-solo de uma maravilhosa heroína. "Elektra" era uma anti-heroína, logo, foge à regra. "Mulher-Gato" foi uma criação esdrúxula que não teve embasamento nas HQs, então também não está na mesma seara dos "filmes de heróis". Sem contar que ambos foram fracassos retumbantes. Depois de Homem de Ferro, Batman, Capitão América, Superman, Homem-Aranha e tantos outros homens heróis - até mesmo o desconhecido Homem-Formiga -, finalmente uma (mulher) heroína (tautologia necessária) ganha um filme apenas para ela. Isso representa uma mudança de paradigma no subgênero "filme de heróis": ainda que Viúva Negra, Feiticeira Escarlate, Mulher Invisível, Tempestade e Jean Grey estivessem presentes nos filmes coletivos (ou coadjuvantes nos filmes-solo), o protagonismo masculino nos estúdios demonstrava a covardia em permitir dar o estrelato para uma super-heroína. É por isso que a Warner começa com seu MULHER-MARAVILHA um passo à frente em razão da coragem ao dar à amazona um filme-solo.

E o filme é ótimo, necessário mencionar desde já. A maravilhosa protagonista é Diana (Gal Gadot), jovem ingênua que viveu sua vida inteira na paradisíaca ilha de Temiscira, onde ela é princesa. Como filme de origem, o longa expõe sua infância e a relutância de sua mãe para que Diana treine e aprenda o que é capaz de fazer. Quando o piloto Steve Trevor (Chris Pine) chega na ilha e anuncia a guerra que se espalha no mundo, Diana se comove e decide agir para trazer paz, saindo de Temiscira.

São dois eixos que conduzem o filme e que constituem seus acertos. O primeiro é a construção da personalidade de Diana, a partir de valores como heroísmo, bravura e altruísmo sem deixar de lado ingenuidade e bondade. Embora ela seja uma princesa, em momento algum ela se deixa levar pela sua posição social, tratando todos com respeito. As amazonas são superiores à humanidade em geral, porém, também não chegam à perfeição, tanto que a mãe da protagonista, inicialmente, não permite que ela treine. Em um gesto de proteção, ainda adolescente, a princesa protege a tia de uma repreensão da rainha, reforçando seu caráter bondoso. A ingenuidade de Diana é fascinante, parecendo quase uma criança com perguntas simples. Isso indicaria fragilidade, quando é notório o quão forte ela consegue ser. De um lado, sua puerícia permite um delicioso humor no roteiro, que definitivamente não é exagerado - isto é, a ingenuidade da heroína permite boas piadas, que se fazem presentes na medida certa, sem a insistência em piadas infantis em todas as cenas -, de outro, torna ainda mais encantadora a sua personalidade e combina com seu inigualável senso de justiça e heroísmo. Por viver isolada da sociedade, ela não abre mão do que ela considera correto, ainda que precise gritar com um general para expor sua visão dos fatos. Toda essa experiência resulta em bastante sabedoria para a heroína, que é explorada em momentos de narração voice over.

O outro eixo condutor é também premissa da produção, referente ao empoderamento feminino, questão espinhosa em uma sociedade na qual feminismo é antônimo de machismo, uma sociedade tola que alia feminismo ao pseudoneologismo "mimimi". Há um momento ácido (do ponto de vista do texto) em que Diana chega a afirmar para Steve que os homens são essenciais para a procriação, mas não para o prazer. A Mulher-Maravilha não recebe ordens de Steve para esperar enquanto ele age, ela faz o que acha certo, estando disposta, inclusive, a enfrentar um exército inteiro sozinha, se necessário for. É a representação máxima da suficiência em si mesma, ela basta em si mesma, não depende de ninguém para fazer o que quer - e o que acha necessário. Se Steve acha que é seu dever fazer algo para evitar que a guerra continue, por que seria diferente com Diana? Por que ele pode se arriscar e ela não?

Para dar conta de tudo isso, o elenco é escolhido com acerto. Gal Gadot interpreta com maestria a já mencionada ingenuidade de Diana, tendo um carisma perfeito para o papel. É verdade que ela derrapa na parte dramática, todavia, como a Mulher-Maravilha não envolve muito drama, isso não chega a ser problema. A química entre Gadot e Chris Pine ajuda bastante a tornar o filme mais leve e não se sustentar apenas na ação (que também existe em boa dose). Steve e Diana falam sobre a utilidade de um relógio, sobre casamento, sexo e outros assuntos. Eles são de mundos bastante distintos e é isso que faz com que se completem. Pine tem função majoritária de alívio cômico, mas também de óbvio par romântico. Trata-se de um ator experiente que agrega bastante à película por compreender as nuances da personagem, que alterna entre o seu próprio heroísmo (porque Steve também é um herói, só não é super) e o humor na interação com Diana. No primeiro ato, outras amazonas aparecem, deixando a sensação de que poderiam ter mais espaço, o que indica que deram certo. Danny Huston parece se divertir como um dos antagonistas; é um dos coadjuvantes de maior destaque.

A fórmula é básica, mas correta: reunir bastante ação, um pouco de romance, pouquíssimo drama e comédia em doses tópicas. Em tese, não teria como dar errado - e não dá mesmo. Patty Jenkins faz uma direção cujo saldo é bastante positivo. Existem momentos nonsense, como quando Diana sai de uma loja com espada e escudo em mãos, sem chamar a atenção das pessoas; entretanto, existem sequências preciosas, como a que a Rainha Hipólita narra para a filha ainda pequena a história dos deuses, momento em que estes aparecem em uma animação digital quase estática e bem lenta na voz da atriz Connie Nielsen. Especificamente em relação às cenas de ação, Jenkins erra em enquadramentos fechados, pois isso prejudica a visão do todo no ápice da adrenalina. Por exemplo, quando a Mulher-Maravilha levanta um tanque, seria melhor ver a proporção do tanque em relação a ela, em um plano mais aberto (isto é, o corpo dela inteiro e o tanque inteiro), e não um enquadramento em plano médio (aparecendo parte do corpo e parte do tanque). As coreografias de luta são muito boas e o slow motion combina com aquela adrenalina (até porque a heroína enxerga em velocidade diferenciada, já que deflete as balas, dentre outras habilidades), porém, as filmagens são em enquadramentos muito equivocados, certamente o maior erro da direção. Até porque a excelente música-tema, criada por Hans Zimmer, não é suficiente para um longa cujo mote é a ação.

A fotografia vai escurecendo com o passar do filme, o que combina com o desenvolvimento da própria narrativa, já que o primeiro ato é o que ainda não tem guerra. A estética do universo DC, iniciada por Zack Snyder em "Homem de Aço" é mantida, ainda que "Mulher-Maravilha" tenha tons mais alegres e maior leveza (o trailer de "Liga da Justiça" sugere o mesmo). O CGI é usado como a comédia: sem exagero. Embora presente desde o começo, fica mais carregado no final, um grand finale que reserva até uma surpresa. No terceiro ato, ainda, a mixagem de som é usada de maneira inteligente em favor da narrativa, quando Steve fala algo para Diana que ela não entende (fica quase no mudo), mensagem revelada apenas depois e que tem mais impacto no momento posterior.

Não se pode olvidar que o roteiro comete deslizes com subtramas pouco ou nada desenvolvidas. Ewen Bremner interpreta Charlie, amigo de Steve, que tem um trauma pessoal que ainda reverbera negativamente, mas que em nada contribui na trama. O filme não chega a ter "gorduras" de relevo, mas não se esmera nos subplots que menciona. Outro exemplo é o Chefe (Eugene Brave Rock), que alude a um trauma pessoal, afastando o maniqueísmo afirmado por Steve, sem desenvolver essa ideia - que, por sinal, é apenas sugerida em um diálogo bastante curto.

De todo modo, MULHER-MARAVILHA consegue ser original, bem feito, aprazível, divertido, engraçado e empolgante, fazendo valer o senso de heroísmo impregnado na protagonista, bem como a importância de existir uma super-heroína em termos de representatividade feminina. O longa tem suas falhas e limitações, até porque reside em um subgênero limitado cujos objetivos são também limitados (exceto quando tenta revolucioná-lo, o que não é o caso). Não tem o "fato novo" de "Homem de Aço", nem o tom épico de "Batman vs. Superman". Não precisou: dentro da proposta, é enorme o acerto da produção da Warner/DC.

Um comentário:

  1. Um dos melhores filmes da sua filmografia, a mescla entre o roteiro e o elenco dá um bom resultado. Mulher Maravilha é um dos melhores filmes que estreou o ano passado. É uma história sobre sacrifício, empoderamento feminino e um sutil lembrete para nós, humanos, do que somos capazes de fazer uns com os outros. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio. É um dos melhores filmes de ação e aventura gostaría que vocês vissem pelos os seus próprios olhos, se ainda não viram, deveriam e se já viram, revivam a emoção que sentiram. Eu gosto da forma em que ela esta contada, faz a historia muito mais interessante. Gal Gadot é ótima porque mostrou com perfeição a jornada de uma deusa, uma guerreira e uma mulher. Eu recomendo!

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