domingo, 25 de junho de 2017

Frantz -- Foge do convencional

O ano é 1919 (período pós-Primeira Guerra), o local é Quedlimburgo (interior da Alemanha). Uma jovem alemã vive o luto do falecimento de seu noivo, morto em batalha na França. Até que um rapaz francês aparece deixando flores no túmulo de seu amado, deixando uma enorme curiosidade sobre quem seria ele e qual a sua relação com o falecido. É essa a sinopse de FRANTZ, produção franco-alemã que é oficialmente rotulada como drama, mas que caminha quase na íntegra no suspense e desemboca no romance (sem ser romântico).

O fato de caminhar no suspense é seu grande trunfo: o argumento tem em si um mistério instigante. Na verdade, o elemento mistério permeia a trama e é fio condutor da narrativa, tanto é assim que, quando um enigma é revelado, o filme perde ritmo e fica desnorteado - até surgir um segundo mistério. O clima de suspense é perene, com ares investigativos e até mesmo uma trilha sonora eventualmente nesse sentido, tornando-se genuinamente instigante aqui e acolá. Entre o primeiro enigma e o segundo, há uma enorme quebra de ritmo e um desconforto bem incômodo, armadilha criada pelo próprio roteiro. Claro que não são segredos tão obscuros que nem mesmo Sherlock Holmes descobriria: ao contrário, como a proposta do filme não é o suspense em si, mas caminhar nesse ritmo, não há uma teia complexa. Em outras palavras, os mistérios não são tão elaborados, pois não é esse o objetivo, mas sim criar a atmosfera de suspense naquele clima hostil.

Como seria um clima hostil se a Guerra tinha acabado? De fato, a Primeira Grande Guerra tinha acabado, mas há uma preocupação em deixar claro que o rancor entre franceses e alemães, reciprocamente, persiste. É algo como a consciência coletiva de Durkheim, que polarizou as nações em meio à guerra, ainda que ela tenha se encerrado formalmente. Afinal, foram muitas as vítimas fatais. Nisso entram os clichês de filmes bélicos: numa guerra, não há "mocinho" nem "bandido", não existe "lado do bem" nem "lado do mal", apenas muitas vítimas. É um debate verticalizado mais por uma das personagens, de uma maneira um pouco obtusa em relação à trama principal, mas que se faz presente de maneira explícita - reitera-se, um velho clichê de filme bélico.

O que não é clichê é o seguinte questionamento: existe alguém insubstituível? A resposta natural seria: "não, ninguém é insubstituível". E se a resposta fosse dada por uma noiva e pelos pais de um soldado falecido? Em "Frantz", essa pergunta recebe camadas mais complexas (que não podem ser desenvolvidas para evitar spoilers), não podendo ser respondida de maneira tão fria. Talvez o falecido pudesse ser substituído, mas seria o francês o substituto ideal? Poderia ele substituí-lo?

Até que ponto Adrien (Pierre Niney) seria confiável para Anna (Paula Beer), noiva de Frantz, Hans (Ernst Stötzner) e Magda (Marie Gruber), seus pais? Hans é mais implosivo e receoso, enquanto Magda é mais acolhedora. Anna, visivelmente a mais carente dos três, se entrega à amizade de Adrien, confiando plenamente em suas palavras. A força do luto faz com que os três entreguem ao francês um crédito que apenas um discurso bonito justificou. E cada vez mais Adrien toma o lugar de Frantz, porque, de fato, o luto tem a potência necessária para tornar aquela família irracional, querendo ver em Adrien tudo que Frantz podia ter sido se não tivesse morrido na guerra.

O trio Beer-Stötzner-Gruber é muito convincente, todavia, sem dúvida é Pierre Niney que comanda o elenco. Niney é a grande aposta da nova geração, um prodígio cujo talento foi reconhecido com o César ganho com "Yves Saint-Laurent" - e que aqui em "Frantz" mais uma vez exibe o potencial. De fato, o ator pode ir muito longe e Hollywood deveria ficar de olho nele (se já não está). Por exemplo, Magda descreve Frantz como alguém com um comportamento tímido e melancólico, segundo ela, Adrien também seria assim. Niney foi perfeito para esse papel, que, exceto pela timidez, foi bem diferente do vivido por ele em "20 Anos + Jovem".

Dentre os trabalhos mais recentes de François Ozon, esse é o mais pudico. O filme é bom, mas visualmente precipitado. A ideia de filmar em preto-e-branco em pleno século XXI não é inovadora. Na verdade, o filme não é inteiro sem cores, isso é mostrado já nos primeiros segundos. Há uma passagem em que Adrien e Anna saem de uma sombra durante um passeio, surgindo então as cores, é visualmente belo, mas uma exceção. A regra é a falta de critério para as cores surgirem: ora são sinônimo de alegria, ora explicitam que se trata de um flashback. Isto é, o filme é majoritariamente em preto-e-branco, aparecendo as cores nos flashbacks, assim, seria um recurso de didática; contudo, a coloração aparece também quando as personagens ficam contentes, o que explicita a indecisão. Também se percebe uma direção de fotografia modesta, que não lida bem com o contraste entre as cores, ao contrário do que foi feito, por exemplo, em "A Lista de Schindler". Nos enquadramentos, os cenários mereceriam maior destaque, havendo poucos planos abertos mesmo quando necessários (quando como Anna começa a conhecer Paris). Ainda assim, FRANTZ é um bom filme porque foge do convencional, foge do que se espera, mesmo que use clichês e previsibilidades, tem um roteiro original e é estruturalmente criativo.

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Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2017

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