sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Invasão Zumbi -- Um deleite para quem busca adrenalina

Seria INVASÃO ZUMBI uma mistura de "Madrugada dos Mortos" e "Guerra Mundial Z"? Essas são as suas principais influências, porém, o filme tem bastante autenticidade e merece ser visto até mesmo por quem não tem predileção por filmes que envolvam zumbis. Trata-se de um filme com zumbis, e não um filme de zumbis, razão pela qual seu público-alvo é elastecido. E mais: é uma ficção de ação, e não um terror, nem mesmo um thriller. Assim, quaisquer pré-conceitos com os filmes que tenham zumbis podem ser flexibilizados com este exemplar coreano - afinal, se o Brasil recebe um filme coreano (evidentemente, a do Sul) em seus cinemas, algo especial ele deve ter.

Na trama, um jovem pai recém-divorciado - melhor evitar os nomes complicados como Sung-kyung e Young-suk -, reconhecendo a própria desídia paterna ao priorizar sempre o trabalho em detrimento da família, acata o pedido da filha de uma viagem para Busan - é isso que justifica o nome em inglês, "Train to Busan", muito melhor que o brasileiro reducionista e genérico "Invasão Zumbi". Durante a viagem, pai e filha precisam lidar com uma espécie de vírus que se espalha lá dentro e que transforma as pessoas em zumbis. Também durante a viagem, conhecem outras pessoas que têm o mesmo desafio a enfrentar, sem saber como chegarão ao destino, tampouco se Busan está ou não infectada.

Se tem zumbis, é um filme de zumbis, certo? Errado! Conforme anunciado no introito, eles estão lá, todavia, não é esse o foco do filme, funcionando mais como motor narrativo do que núcleo temático. Aliás, não se sabe sequer em que consiste a condição das pessoas afetadas - do ponto de vista biológico, é claro. Zumbi é a palavra genérica e versátil encontrada para explicar um estado que alia racionalidade diminuta, incapacidade de fala, aparência de fraqueza (pele bastante clara, em especial) e necessidade de atacar os não infectados através de uma mordida infecciosa - dentre outras mais, reveladas com o desenrolar da narrativa. Não se sabe, por exemplo, se existiria uma cura para retorno ao estado sadio, ou se os zumbis estariam efetivamente mortos. Tampouco é conhecida a origem da epidemia (a origem remota, pois a origem no trem é conhecida). Conforme se percebe, o estado de saúde das pessoas infectadas (causa, origem, cura etc.) é ignorado porque não é relevante. O que é relevante é um estudo sobre o ser humano e sua resposta em situações extremas - de maneira mais específica, o roteiro gravita em torno de caracteres humanos como solidariedade, egolatria e sacrifício, valores questionados também em situações comuns.

Em outras palavras, os zumbis estão lá para justificar a ação, para mover a trama, enquanto que o que o filme realmente aponta o dedo é a natureza humana (se preferir, natureza do ser humano). Isso se faz presente logo nas primeiras cenas, em que fica claro que o pai dá mais atenção para o trabalho do que para a filha. De tudo isso se conclui que, apesar do contexto aparentemente raso, há muito conteúdo reflexivo no longa, o que não é comum no "cinema zumbi" - exemplo recente é o desprezível "Como Sobreviver a um Ataque Zumbi". É a comprovação de que olhar crítico pode conviver com a ação: "Train to Busan" é dotado de uma ação enérgica e de uma adrenalina fulgural. Aqui o mérito reside com o diretor Sang-Ho Yeon, que é hábil para moldar a progressão dos ataques (a ação/tensão é crescente) e corajoso ao adotar alguns takes longos que não são comuns em ficções tão sobrenaturais.

É interessante também perceber que são vários os ataques durante o dia (a existência de luz torna explícita a violência), o que permite ao espectador visualizar com bastante nitidez o que está acontecendo. Não são raras as fitas que preferem uma fotografia escura (inclusive com montagem acelerada) para facilitar a elaboração do produto, mesmo que isso reduza a experiência do público. O cenário principal colabora com os planos fechados das filmagens, pois o trem reduz o campo ao mesmo tempo em que eleva (ainda mais) a nitidez. Em "Invasão Zumbi", tudo é muito bem visto, o que permite elogios pela coragem, mas também exige que se reconheça que a precariedade decepcionante da maquiagem e os efeitos visuais básicos (para dizer o mínimo). Entretanto, isso se justifica pelo baixo orçamento (até porque não é um hollywoodiano), claramente impactante onde o dinheiro pode ser um diferencial. Não é o caso da formidável edição de som, cirúrgica nos momentos mais cruciais e fazendo a diferença inclusive em momentos nos quais o ataque não é completamente visto - trata-se de um raro caso de sutura sonora, em que o espectador preenche parcela da cena a partir tanto do que vê e ouve quanto pelo que não vê e ouve. Funciona como um recurso de imersão do público, aquilatando o trabalho como um todo.

Sim, momentos trash também estão lá, como a risível descoberta de um ponto fraco dos zumbis. No entanto, a ação é tão alucinante que o filme sul-coreano é um deleite para quem busca adrenalina. O drama é unidimensional, as personagens são exploradas de maneira breve... para a sua proposta, porém, "Invasão Zumbi" acerta em quase tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário