sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Minha Mãe é uma Peça 2 -- Talento único

Em "Vai que Cola - O Filme", Paulo Gustavo - em tese, sua personagem - ouve que é melhor atriz do que ator (razão pela qual se veste de mulher em determinado momento do filme). É difícil afirmar que essa já é uma verdade (embora aparentemente seja), todavia, como dona Hermínia, o comediante é espetacular. O talento de Paulo Gustavo para (inspirado na própria mãe) interpretar a inigualável dona Hermínia é sem precedentes. Não é nem o caso de papel que nasceu para o artista, é muito mais que isso, é um conforto, um nirvana artístico. Paulo Gustavo não atua como dona Hermínia, Paulo Gustavo é a dona Hermínia. Portanto, MINHA MÃE É UMA PEÇA 2 pode receber o perdão pelos pecados narrativos: nada que o ator não faça o espectador esquecer.

Explica-se. O primeiro filme serviu para o público conhecer o contexto do projeto: uma mãe superprotetora e de humor instável, uma filha "aborrecente" - levemente preguiçosa e suavemente comilona -, um filho gay que ainda não saiu do armário e um pai divorciado e pouco presente. Respectivamente, dona Hermínia (Paulo Gustavo), Marcelina (Mariana Xavier), Juliano (Rodrigo Pandolfo) e Carlos Alberto (Herson Capri). Para a continuação, todos eles voltam com novidades: Hermínia agora está rica e bem-sucedida com um programa de televisão para falar sobre o que mais entende (a maternidade, é claro); Juliano se descobre bissexual; Marcelina procura um emprego em outra cidade para ganhar independência; e Carlos Alberto, carente, não está mais com a Soraya (Ingrid Guimarães, que participa apenas do primeiro filme). Além disso, o primogênito Garib (Bruno Bebianno), que pouco aparece no longa antecessor, resolve visitar a mãe levando seu filho arteiro. Como se não bastasse, Lucia Helena (Patricya Travassos), a irmã que mora em Nova Iorque, também visita Hermínia. É de onde começa a confusão.

A própria dona Hermínia reconhece que "mãe é coisa que rende" - como discordar? Paulo Gustavo admite se inspirar na própria mãe (que faz uma participação especial no final da película, assim como no primeiro volume), provavelmente com algum exagero, para encarnar, em uma só personagem, todas as caracaterísticas comuns das mães. Isto é, o ator reúne todos os estereótipos maternos, concedendo exageros fundamentados na necessidade humorística. Assim, o plot não foge muito da repetição do que já foi visto outrora: proteção materna exacerbada, gritos, broncas, verdades desconfortáveis, ciúme de mãe e assim por diante. É extremamente provável que alguma mãe em algum momento se identifique com alguma situação, ainda que não admita - na mesma linha de raciocínio, filhos identificarão as suas mães. Trata-se da inteligência do roteiro ao criar situações tais, mas muito mais de Paulo Gustavo, que encarna a personagem com tanta naturalidade (e comicidade ímpar) que parece uma personalidade alternativa habitando o mesmo corpo. Não é um homem se vestindo de mulher, mas um ator trabalhando como poucos no cinema nacional.

O resto do elenco, no geral, vai bem. Ninguém do elenco destoa substancialmente, mas fato é que dona Hermínia naturalmente recebe os holofotes - e dá conta do recado. Uma ressalva precisa ser feita quanto a Samantha Schmütz, que vive personagem descartável e que reflete uma visão preconceituosa (justificada pela liberdade artística na necessidade humorística). Por outro lado, Suely Franco retrata com delicadeza a Tia Zélia, reduzindo a comicidade da película em prol da existência de um núcleo dramático sensível. A tristeza está lá, e na medida certa. No mais, Patricya Travassos é a atriz de expressão singular de sempre, com um jeito irritante que todo papel seu possui. Não obstante, é inegável que o roteiro dá espaço para todos, girando em torno da protagonista, exercerem talento humorístico a partir de um texto com boas ideias cômicas - novamente, graças a Paulo Gustavo, em coautoria com Fil Braz. A fita tem cenas que não são tão engraçadas, mas também possui cenas hilárias, como a que Hermínia conhece o novo apartamento de Marcelina. Como comédia, a função é muito bem cumprida.

Porém, como narrativa, o script é uma negação. O filme funciona quase como uma sequência de esquetes com um tênue fio condutor, de função meramente cronológica. Talvez tenha sido uma montagem mal feita - exemplo claro é a participação de Fátima Bernardes, absurdamente dispensável por não acrescentar absolutamente nada -, fato é que as cenas parecem soltas como se houvesse um recorte de episódios aleatórios da vida das personagens, sem existir uma narrativa bem elaborada, com clímax, evolução e estrutura. A princípio, isso não afeta a graça do filme, mas é desconfortável recordar que são piadas soltas em um longa-metragem sem narrativa. Mesmo a boa dose de realidade no texto (como a sinceridade infantil na avaliação da maquiagem da tia Zélia) ou a inteligente inversão dos padrões sociais quanto à sexualidade (a cabeça de dona Hermínia quanto ao tema é tão peculiar quanto ela própria) tornam-se virtudes acinzentadas diante de uma precariedade na elaboração do desenvolvimento do enredo. Há uma excelente ideia para o argumento, destrinchada de maneira amadora.

O final deixa claro o caminho para um terceiro episódio. Se houver, pode ter um roteiro pobre como "Minha Mãe é uma Peça 2", mas será divertido e engraçado tanto quanto este, pois Paulo Gustavo tem um talento único para ser engraçado como dona Hermínia, valendo o segundo e um possível terceiro filme.

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