Se existem filmes com
vocação para serem rotulados de “cult”,
“Capitão Fantástico” é um grande
exemplo. Lamentavelmente, esse termo recebe uma carga axiológica negativa,
quando o fato de ser cult não o torna
monótono ou tedioso, apenas afastando-o do cinema mainstream que prevalece. Uma pena: todos deveriam assistir a esse
filme.
No enredo, Ben (Viggo
Mortensen) cria seus seis filhos longe da civilização, no meio de uma floresta.
Apesar de não terem ensino formal por não freqüentarem a escola, o pai é
exigente com tudo que ensina, que varia entre habilidades para sobrevivência
(luta, caça, escalada etc.) e aprendizado intelectual (por leituras complexas
de, por exemplo, literatura, filosofia e física). Tudo muda quando eles saem da
floresta e reencontram os familiares em razão de um evento trágico.
Se fosse possível resumir o
filme em uma curta expressão, seria “choque cultural”. De maneira inteligente,
o longa não começa com o abismo intradiegético: consciente da sua diegese
heterodoxa, primeiro integra o espectador naquela realidade, para depois
contrapô-la internamente, com outras personagens. Em outras palavras, antes de
escancarar um abismo – de um lado, a vida de Ben e seus filhos na floresta; de
outro, a vida dos demais familiares em meio à civilização –, o diretor e
roteirista Matt Ross prepara o público em relação às idiossincrasias das
personagens principais.
Verifica-se um embate
cultural tanto em relação às crianças quanto aos adultos. O que é melhor para
criar os filhos: falar sempre a verdade (sobre tudo) ou evitar tanta
transparência? A melhor parte é que o filme faz o público pensar, sem o intento
de doutrinar – até porque não existe uma forma correta de viver a vida e de
criar os filhos. Viggo Mortensen dá vigor ao papel que interpreta, contribuindo
para a função questionadora de Ben. Se o plot
seguisse o ritmo clássico, o avô (Frank Langella em mais um coadjuvante de
luxo) seria o vilão, mas o texto prefere transcender os arquétipos, sendo, sem
dúvida, um roteiro repleto de camadas.
O repetido mantra da
preferência da prática em detrimento do mero discurso também é comprovação da
riqueza do script, que, contudo, peca
bastante no desfecho, que é uma solução deveras fácil para a complexa situação
em que as personagens se encontram. Mesmo na direção existem virtudes – como as
contagiantes cenas musicais, com auge em “Sweet
Child O’Mine” – ao mesmo tempo em que se verificam alguns equívocos – como
a prevalência de tomadas curtas, reduzindo o realismo. Chega a ser
desconfortável a quase exclusividade de planos fechados e closes, opção para aproximar as personagens do espectador, mas que
prejudica bastante a visualização do contexto e da própria mise en scène.
Como comédia dramática, “Capitão Fantástico” vai satisfazer
grande parcela do público, ao menos em razão da sua originalidade (algumas
cenas são inesquecíveis, de tão inusitadas). Como contribuição para a sétima
arte, deverá ser muito lembrado por sua vocação como filme cult – nesse caso, na melhor acepção do termo.
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