sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Sete Homens e Um Destino -- Êxito na proposta

Um remake, pela condição que exerce na sétima arte (de reaproveitar uma ideia alheia já explorada em mídia audiovisual, ou seja, de não ser original quanto ao plot), fatalmente parte em desvantagem quando comparado com películas integralmente originais. Não se pode usar a regra de que o original é melhor porque toda regra tem exceção. É por isso que SETE HOMENS E UM DESTINO é um remake comparável com o original: o primeiro se tornou clássico por imposição social, isto é, agradou ao público em grau tamanho que garantiu a imortalidade, apesar dos erros - outros filmes se tornam clássicos por representar uma revolução paradigmática, o que não é o caso. O de 1960 tem erros e acertos, acontecendo o mesmo com o de 2016. Isso significa que, distantes da perfeição, os dois são bons exemplares do seu gênero, cada qual à sua maneira. Cabe lembrar que a versão de 2016 é, na verdade, um remake de um remake, tendo em vista que John Sturges (diretor da versão de 1960) se apropriou da obra de Akira Kurosawa, que tem argumento praticamente idêntico, adaptado à realidade nipônica ("Os Sete Samurais", de 1954), justamente em homenagens aos westerns. De todo modo, são variantes distintas de uma ideia praticamente idêntica, cada qual atrelado em premissas próprias da sua realidade - e é isso que os torna notóriosKurosawa queria homenagear os filmes do gênero faroeste, fez "Os Sete Samurais" com a lógica western dentro da roupagem japonesa, especificamente dos samurais. Sturges foi mais quadrado, dentro do padrão estadunidense da época. Agora foi a vez de Antoine Fuqua, que também soube fazer as adaptações necessárias.

Na trama, Emma Cullen (Haley Bennett) é uma habitante de um pequeno vilarejo vítima de ataques de pistoleiros liderados por Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard), que resolve contratar Sam Chisolm (Denzel Washington) para uma vingança. Sabendo da dificuldade do trabalho, taxado como impossível, Chisolm reúne seis outros homens para ajudar, além de treinar os cidadãos para a empreitada.

Sem a menor sombra de dúvidas, a grande virtude do longa é o amparo na pluralidade e na representatividade, bandeiras defendidas pelos Estados democráticos ocidentais contemporâneos. Se ainda existe o ideal de beleza nórdico, a demanda por representatividade dos negros fez com que Yul Brynner (do filme de 1960) fosse substituído por Denzel Washington como o líder do grupo. O elo entre o vilarejo e este também é novo, representado numa figura feminina forte e corajosa (Haley Bennett) que, mesmo depois de viúva, não se deixa abater a ponto de se acovardar face ao vilão. O grupo reunido também é heterogêneo, com um índio, um asiático e um mexicano. Trata-se de um verdadeiro ode à heterogeneidade étnica, valorizando o que torna os seres humanos especiais, suas diferenças. É verdade que o western é um gênero um pouco engessado e assentado em heróis másculos e caucasianos, mas a liberdade criativa foi salutar. São novos tempos, é uma nova sociedade, não havendo prejuízo em retratar um período histórico e um local com adaptações contemporâneas, afinal, isso não é essencial. Cabe mencionar que o tema é explorado ao nível de mencionar a discriminação com o diferente, corporificado no asiático Billy, bem como o choque cultural entre todos e o indígena - aliás, o ator Martin Sensmeier é nativo de uma tribo nativa do Alasca. Se é verdade que as personagens são arquetípicas, não é menos verdade que representam a pluralidade social e defendem a tolerância com o alheio, o que merece elogios. Em última análise, o filme acaba representando um discurso de tolerância, temática que precisa ser muito abordada no cinema.

Nesse sentido, é interessante observar que - assim como a versão de Sturges, que escalou, além de Yul Brynner, Steve McQueen e Charles Bronson, dentre outras estrelas da época (lógica do star system, preponderante em Hollywood há muito tempo) - o filme conta com um elenco bastante qualificado. Quanto a Denzel Washington, pouco se pode falar, pois o talento imensurável do ator fala por si só. Para um ator diferenciado, uma personagem diferenciada: Chisolm não aceita o rótulo de caçador de recompensas, referindo-se à terminologia correta para seu ofício (um embrião do politicamente correto, provavelmente), "subtenente legalmente empossado" - o trabalho é o mesmo, mas a expressão usada tem uma carga tão negativa que ele não a aceita. Não é apenas uma questão de linguagem, mas de abordagem (com um discurso sagaz pela sutileza na mensagem transmitida). Um subtenente legalmente empossado que fala comanche, a linguagem indígena. Por essas e outras, não haveria nome mais qualificado para o papel. Chisolm é sisudo, enquanto o primeiro que ele recruta, Josh Faraday, é o alívio cômico em razão da sua irreverância. A escalação de Chris Pratt para o papel revela-se adequada porque ele já viveu exatamente o mesmo em outros filmes. Disso decorre o seguinte questionamento: Pratt é um ator que só consegue viver um tipo de personagem? Se a resposta for afirmativa, ele é bastante limitado no trabalho. Até porque interpretar o galã desengonçado arrogante e engraçado não é tão difícil. Ele não está mal como Faraday, apenas é usa dos mesmos artifícios ao atuar como Starlord em "Guardiões da Galáxia", por exemplo. Talvez ele devesse aprender com Vincent D'Onofrio, que abraça mais e mais maneirismos charmosos (à sua maneira) para diferenciar os papéis uns dos outros. Seu Jack Horne é peculiar ao extremo - e muito engraçado. Sobre Ethan Hawke, seu talento é notório, mas ele foi prejudicado por um roteiro que renegou à personagem (Goodnight Robicheaux) um histórico nebuloso. O máximo de profundida que se lhe atribui é um bromance com Billy (Lee Byung-Hun), com sugestivo teor homoafetivo (o que seria coerente com a proposta). Peter Sarsgaard é desperdiçado com um vilão genérico. Haley Bennett convence como uma Emma Cullen audaciosa - o sobrenome da personagem é, coincidentemente, o mesmo de um dos principais de uma certa saga risível sobre vampiros, em que Cam Gigandet atua como vilão no primeiro filme (aqui, ele é apenas um capanga do vilão). A morte do marido de Emma (vivido por Matt Bommer) se torna engrenagem narrativa fundamental logo no início, em cena previsível.

Antoine Fuqua faz um ótimo trabalho de direção. Talvez não chegue à preciosidade de "Dia de Treinamento" (que também tem Denzel Washington e Ethan Hawke no elenco), mas é, como produto final, superior a "O Protetor" (outra parceria com Washington). Aqui, Fuqua faz o básico: contraplongée em Chisolm quando conversa com Emma, travellings laterais e panorâmicas amplas, cena de tiros no saloon, tudo no script básico do western (ao menos o tradicional, e não o tarantinesco). Além do básico, o diretor insere nuances do seu estilo próprio, como nos planos em que Denzel sobe uma duna com o sol nascendo nas suas costas (simbologia da empreitada heroica) e nos momentos de violência, que não são tão brandas (mais uma vez, distante do nível tarantinesco). A fotografia é linda, porém, com a tecnologia atual da qual dispõem os estúdios, isso não é tão difícil. O importante é não haver o trunfo da tecnologia em detrimento de um bom enredo. Também merece destaque o impecável design de produção, atento aos menores detalhes para além dos coldres. Não custa reiterar a abordagem pluralista e antidiscriminatória, opção elogiável de Fuqua.

Apesar de tudo isso, em visão micro, o roteiro é bastante frágil. Todos são submissos a um vilão poderoso e vil, entretanto, Bogue é um antagonista confuso. É compreensível seu escopo capitalista, porém, seu discurso que transita entre divindade e capitalismo se torna ininteligível de tão prolixo, e de forma desnecessária. Isso tem reflexos em cenas que deveriam ser impactantes, como a que ele chama um garoto para participar de um de seus discursos. Nesse quesito, a versão de 1960 é bem melhor. O roteiro até tenta criar novas camadas, como ao injetar um subplot referente à falecida irmã de Robicheaux, mas nada que se mantenha firme (no exemplo dado, o tema é absurdamente abandonado depois que é lançado na narrativa). Também estão lá pieguices (como um plot twist no terceiro ato, desprezivelmente previsível e a luta entre índios). Ou seja, se a narrativa é eficaz (em especial por copiar a estrutura dos anteriores, o que facilitou consideravelmente o trabalho), a construção da trama e das personagens é falha. Nem mesmo Chilson se torna um conhecido do espectador, que simpatiza com ele em razão do ator que o interpreta, e não pela personalidade cativante. Ainda, seria injusto comparar as trilhas sonoras, pois a fita de Sturges conta com uma das melhores canções originais da história do cinema, homenageada com justiça nos créditos.

É assim que se conclui que SETE HOMENS E UM DESTINO é um filme que tem êxito na sua proposta. Polifuncional, pretende homenagear um clássico objeto de afeto de muitos, apresenta um enredo histórico a uma nova plateia, satisfaz a parcela do público que sente falta do western nos cinemas hoje em dia (como surpresa positiva, o atualiza) e serve também como entretenimento. Se o argumento fosse original, seria um filme nota 9. É "apenas" um nota 7,5.

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