quarta-feira, 5 de outubro de 2016

No Fim do Túnel -- Rodrigo Grande, um cineasta promissor

Suspense não é terror e vice-versa. Portanto, afirmar que NO FIM DO TÚNEL (filme que estreia nos cinemas brasileiros somente amanhã, 06/10) deixará satisfeitos os fãs de bons suspenses, não signfica afastar os fãs de terror. Não há nada aterrorizador, mas um mistério intrigante.


Trata-se de uma mescla entre, de um lado, um romance policial com atmosfera noir e, de outro, um suspense embasado em um crime razoavelmente comum. Joaquín é um cadeirante solitário (exceto se considerado seu pacato cachorro Casimiro) que, em razão de dívidas, decide anunciar o aluguel de um quarto da sua casa. Sem aviso, aparecem Berta e sua filha Betty, que são aceitas como locatárias. Betty não é muda, mas não fala nada com adulto nenhum, fazendo amizade com Casimiro. Já Berta tem um jeito extrovertido que incomoda Joaquín. Porém, o que realmente lhe aflige é a descoberta de uma intensa e misteriosa atividade subterrânea na área do seu terreno, que o leva a investigar o fato.

Não é difícil perceber que o argumento da película é excelente, sem dúvida uma boa ideia de Rodrigo Grande (roteirista e diretor). Em uma conversa com Grande da qual este crítico participou, o cineasta afirmou não ter inspiração em "Janela Indiscreta", todavia, a associação com o clássico de Hitchcock é bastante plausível. Há um viés voyeurista no protagonista Joaquín, ainda que ele justifique a atividade na precaução quanto ao que é feito - inclusive porque sua persona é mencionada algumas vezes. Ou seja, o início é bastante promissor. No entanto, o desenvolvimento da narrativa decepciona por ser clichê e previsível: um mcguffin que fatalmente reaparece, o protagonista elabora um plano para frustrar o antagonista, o plano é quase destruído por uma coadjuvante (o que previsivelmente não ocorre), o vilão exibe a própria frieza, tudo monotônico e sem originalidade. O filme vai perdendo fôlego e atinge a zênite com um encaminhamento narrativo tão inverossímil que é abandonado em instantes, no início do terceiro ato. Evidentemente, o desfecho é previsível, exceto quanto à forma como ocorre - sabe-se o que vai acontecer, mas não como. Porém, é preciso mencionar que, exceto em seu início, o terceiro ato tem plot twists eficazes e agradáveis, revelando originalidade e inteligência fora do comum para elaborar um script refinado.

Ainda, do ponto de vista temático, o longa desenvolve uma oportuna crítica à subestimação das pessoas paraplégicas. Chamado pelo antagonista de "paralítico" (com um tom de desdém), Leonardo Sbaraglia é convincente no papel de uma pessoa com deficiência, e mais convincente ainda para mostrar que a deficiência não obsta todas as atividades. Ao revés, Joaquín demonstra que a inteligência que possui é seu verdadeiro diferencial como herói - no mesmo sentido, suas habilidades investigatórias não chegam ao nível extraordinário, justamente para ser crível. A negatividade do perfil psicológico de Joaquín é coerente, em especial pelos traumas sofridos. Ainda que de forma implícita, é mencionada a depressão decorrente do acidente por ele sofrido, que lhe deixou paraplégico. Trata-se de uma personagem delineada de maneira aceitável - e a atuação de Sbaraglia é muito boa. Em verdade, trata-se de um dos melhores argentinos da nova geração (já tendo destaque em um dos capítulos do maravilhoso "Relatos Selvagens"). Por sua vez, Betty, a menina "muda", é sensacional: sua opção por não se comunicar com os adultos revela-se o receptáculo para a opressão do mundo adulto, enquanto que a amizade com Casimiro é o inverso, consubstanciando a inocência em sua forma mais pura. Uma Salduende é uma atriz mirim razoável, mais chamativa pelo carisma do que pelo trabalho. Berta é vivida por Clara Lago, personagem que vive dois momentos distintos que afetam a interpretação. No primeiro momento, com o fim de evitar spoilers (embora não configure surpresa), Berta é assistente do mágico e exerce mal a função. Contudo, sua atuação cresce a partir de um primeiríssimo plano que passa a enfocar seus olhos, que refletem de maneira magnífica a sua perplexidade diante de uma cena sanguinária. De artificial, Lago passa a convencer. Federico Luppi atua em papel pequeno como um comissário de polícia, mas o veterano engrandece a película quando aparece.

Rodrigo Grande é razoável como roteirista, precisando lapidar a habilidade em diversos aspectos. Por outro lado, como diretor, há pouco para aprimorar. O prólogo é emblemático no uso de uma linguagem cinematográfica sofisticada: plano-sequência, câmera subjetiva, sons diegéticos externos, travelling a partir do chão. Mais adiante, quando Joaquín entende melhor o plano do vilão, o som diegético fica mudo enquanto ele reflete ao som de uma música extradiegética. Já ao final, há um plano belíssimo bem ao estilo noir do comissário fumando, na penumbra, enquanto chove no ambiente externo. Ou seja, são várias as amostras de refinamento na direção. O último plano é piegas, mas pode ser desconsiderado.

Talvez Grande seja o próximo Juan José Campanella. "No Fim do Túnel" tem bons predicados, mas ainda não alcança a excelência necessária para um destaque maior (ainda assim, é muito melhor que a maioria que consta da safra brasileira). É um bom suspense, que, porém, não entrará para a história. Rodrigo Grande é jovem, ainda tem uma carreira que poderá consagrar o cineasta. Para um terceiro longa-metragem, o nível está alto. Aguardemos pelos próximos.

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