quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

O Destino de uma Nação -- O destino de Gary Oldman

O DESTINO DE UMA NAÇÃO é um caso raro em que tanto o nome em português quanto o original - "Darkest Hour" (em tradução livre, "hora mais escura") - servem igualmente para sintetizar a ideia de um filme. Trata-se de um longa que, através de um recorte histórico-espacial específico, mostra os bastidores da Segunda Guerra Mundial, enaltece uma de suas personagens e, enquanto produção cinematográfica, provavelmente tem por escopo dar um Oscar a um ator inegavelmente gabaritado.

Do ponto de vista cronológico, a película se passa em maio de 1940, preocupando-se em expor a política britânica interna e externa durante esse período, através daquele que foi um dos maiores nomes quiçá da história da política britânica, Winston Churchill. Em se tratando de um momento bélico, é evidente que, ao assumir o cargo como Primeiro Ministro, o desafio é imenso. Porém, o que pode surpreender é que a tarefa é mais ingrata que parece e o ambiente é muito mais conturbado do que o senso comum indica: a Guerra parece perdida e o Parlamento não dá muito apoio ao novo líder.

Na verdade, uma novidade do filme, que não é exatamente original, mas também não é comum na sétima arte (havendo precedentes na literatura e até mesmo em jogos) é que faz pensar na realidade virtual em que a Inglaterra tivesse acertado um acordo de paz com a Alemanha - nesse caso, como estaria o mundo hoje? No longa, Churchill insiste em um discurso de luta, enquanto seus adversários políticos internos preferem tentar um diálogo com Hitler, buscando negociar um acordo, benéfico para ambos, que trouxesse a paz. A Itália de Mussolini, inclusive, seria a intermediária das tratativas. Evidentemente, a história tem os registros expondo como tudo se sucedeu, o que não exclui, todavia, a elucubração sobre as hipóteses alternativas.

O responsável por encarnar Winston Churchill é Gary Oldman, superestimado nesse papel específico, pois não é seu melhor trabalho, não é a melhor interpretação cinematográfica dessa figura histórica (ainda é preferível a atuação de Brian Cox em "Churchill", que já teve crítica há não muito tempo!) e não há nada grandioso no que ele fez. É provável que Oldman ganhe o Oscar pelo papel, o que não será injusto pela ausência de concorrentes mais hábeis indicados (até agora, não surgiu nenhum grande nome cotado, exceto, talvez, Daniel Day-Lewis, no que seria sua quarta estatueta) e por ser um reconhecimento em razão da admirável carreira. Ou seja, não será nenhum absurdo. Porém, comparando-se com a cerimônia de 2016, em que concorriam Leonardo DiCaprio por "O Regresso" (que venceu) e Eddie Redmayne por "A Garota Dinamarquesa", dois trabalhos que são infinitamente superiores, fica claro que Gary Oldman não fez nada fenomenal em "Darkest Hour". Foi uma boa interpretação, mas não histórica.

A bem da verdade, o que mais chama a atenção no Churchill de Oldman são elementos externos à atuação, em especial a maquiagem, em que a equipe usou implantes no rosto do ator, já que ele é muito mais magro que o interpretado. Apesar de impressionante, ficou realista e a indicação na categoria respectiva é praticamente certa. Artefatos como robes, chapéus, ternos (figurino) e, claro, charutos (essenciais!!) também se fazem presentes, mas sem destaque. Os robes, por sinal, se coadunam com a visão bem-humorada que o filme dá à personagem, que faz piadas sobre a velhice da esposa, sobre a relação entre fezes e seus afazeres etc.. É uma perspectiva bem menos ranzinza que no já citado "Churchill", muito mais leve e mais alegre.

Outra diferença, no caso, prejudicial, em relação ao longa mencionado, é que sua esposa tem um papel diminuto. Clementine Churchill é uma personagem quase prejudicial à narrativa de "O Destino de uma Nação", já que não lhe acrescenta praticamente nada, como em uma cena de desabafo em frente ao espelho, absolutamente inútil. O que é prejudicial é que o filme poderia ser um pouco mais curto, não retirando essa personagem, mas usando-a melhor. Kristin Scott Thomas está lá apenas para constar nos créditos. Diferente de Ben Mendelsohn, que vive um imponente Rei George VI, em versão absolutamente distinta daquela de Colin Firth em "O Discurso do Rei". Mendelsohn dá ao papel certa arrogância, é um perfil mais pomposo, o que não é necessariamente ruim, mas rompe com a imagem cinematograficamente vista há não muito tempo. Também no elenco está Lily James, em participação discreta, mas correta.

O longa é dirigido por Joe Wright, responsável pelos bons "Orgulho e Preconceito", "Desejo e Reparação", pelo ótimo "Anna Karenina" e pelo péssimo "Peter Pan". Como de costume em sua filmografia, o que há de melhor é a direção de arte, não apenas fiel do ponto de vista histórico, mas sempre deslumbrante, como nos cenários do Palácio de Buckingham. A trilha sonora abusa de músicas instrumentais que inspiram a sensação de triunfo e a edição de som coloca o som de um relógio para indicar a passagem do tempo para cada nova data, quando o filme didaticamente mostra o avanço temporal. A montagem é discreta, equivocando-se apenas no primeiro discurso de Churchill, sendo alternada para mostrar como esse discurso foi feito, simulando flashbacks. Além de desnecessário, o recurso reduz o impacto da cena. Nos momentos de discurso, normalmente no Parlamento, é possível ver melhor o esmero na fotografia, impecável, em especial, na iluminação (que talvez possa render uma indicação pela Academia).

Por fim, duas cenas merecem menção específica. A primeira é a que Churchill conversa ao telefone, em seu banheiro particular. Em determinado momento, o campo fica concentrado na imagem do protagonista ao centro, como se estivesse dentro de uma caixa, sem absolutamente nada ao redor, apenas a escuridão - mais ou menos como se estivesse em um local enterrado no subterrâneo, sem entrada ou saída (já que tudo ao redor fica preto). O que aparece é a sua "caixa" (seu banheiro) iluminado, apenas. A metáfora é belíssima, simbolizando que ele ficou encurralado. A outra cena é a do metrô, certamente um momento controverso, já que piegas e talvez um pouco difícil de comprar. É coerente com a diegese bem-humorada proposta, mas há um exagero.

Não muito depois de "Dunkirk", aparece um filme que começa um pouco antes da Operação Dínamo, explicando-a, ainda que de maneira lateral, por outra perspectiva. "O Destino de uma Nação" opta por ser mais político que bélico e enfoca mais nas pessoas que nos eventos. Como filme, há que se reconhecer aquele como melhor e mais completo, enquanto este é mais um bom filme de Segunda Guerra.
E o destino de Gary Oldman, qual será?

Nenhum comentário:

Postar um comentário