quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Artista do Desastre -- O excêntrico Tommy Wiseau

De plano ambicioso para o insucesso retumbante, tornando-se um acidente cult. Anos depois, a história de Tommy Wiseau retorna aos cinemas (agora no plural, na verdade) e chega a ser indicada ao Oscar (na categoria de melhor roteiro adaptado). Verdade seja dita: o fracasso não faz mais parte da sua vida, mesmo que de uma maneira heterodoxa. Aliás, de heterodoxia ele entende, o que fica perceptível em ARTISTA DO DESASTRE.

O filme retrata a amizade entre Greg e Tommy, dois alunos de atuação que, no final dos anos 1990, em São Francisco, se mudam para o apartamento de Tommy em Hollywood para alcançar o estrelato. Farto das rejeições na indústria, Tommy decide produzir, dirigir, roteirizar e protagonizar seu próprio longa-metragem, convidando Greg para ser seu principal coadjuvante.

Mais uma história real que vira filme, porém, aqui há uma metalinguagem muito intensa no roteiro, o que o torna muito peculiar - idiossincrasias não faltam a tudo que envolvem Tommy Wiseau, já é perceptível. O script se baseia em um livro, escrito por Greg, que relatou os episódios que cercaram a produção do filme produzido, dirigido, roteirizado e protagonizado por Tommy (primeiro nível metalinguístico: fonte). Por sua vez, no filme, aparecem cenas de filmagem, mostrando os bastidores da produção (segundo nível metalingístico: referências da fonte), bem como cenas do elenco do longa atual imitando o longa original, isto é, simulando tratar-se de uma gravação real (terceiro nível metalinguístico: referência paralela). Aliás, é admirável a fidelidade ao original: "The Disaster Artist" (2017) imitou as cenas de "The Room" (2003) com precisão cirúrgica (o comparativo aparece no final). Ainda na metalinguagem, as duas personagens principais se inspiram em James Dean e sua trajetória artística (quarto nível metalinguístico: espelhamento real).

Dean é usado como exemplo de persistência: não se deve desistir dos sonhos almejados, ainda que sejam incontáveis as negativas seguidas. E o filme é justamente sobre isso: a (im)possibilidade de concretizar o que se deseja. Querer e poder são sinônimos? Quem acredita sempre alcança? A crença é suficiente para alcançar um objetivo? Somos livres para sonhar? O grande mérito da película, em especial de seu roteiro, é que inevitavelmente leva a essa reflexão e, mais ainda, em um nível mais profundo que a maioria dos outros: qual a solução para quem não enxerga onde erra? O caso de Tommy é exatamente esse, pois ele está, ainda que não saiba, desnorteado. Há uma cena em que ele se revela desesperado diante de um influente produtor de Hollywood e chega a afirmar que seguiria qualquer orientação por uma chance, bastaria que o produtor dissesse o que era necessário que ele fizesse. Em síntese: se a pessoa não sabe o que lhe falta para alcançar seu sonho, qual a solução? Entre insistir e desistir, o filme propõe o debate enquanto uma pergunta retórica.

Entre algumas participações especiais surpreendentes e alguns nomes conhecidos que aparecem muito pouco (como Josh Hutcherson de "Jogos Vorazes" e o comediante Seth Rogen), os irmãos Franco servem como uma luva para interpretar os amigos Greg e Tommy (inclusive pela aparência física, muito em razão da caracterização, já que James não costuma ter um visual vampiresco). Dave Franco vive Greg: o ator é razoável, já tendo feito alguns bons trabalhos, mas nada digno de nota. Quem realmente se dá bem é seu irmão James Franco como Tommy, que é um verdadeiro superlativo: mais velho, mais rico, mais nonsense, mais impulsivo. Porém, Greg é mais talentoso e, consequentemente, mais promissor, o que pode incomodar seu amigo. Quando se juntam, o mais novo aprende com o mais velho, tornando-se também impulsivo, até por tentar agradá-lo, então, por exemplo, faz uma viagem um pouco longa à noite e larga a sua vida para um recomeço em outra cidade. Os dois são muito diferentes e Tommy é difícil de lidar, mas Greg aprende rápido a driblar seu jeito esquisito.

A bem da verdade, esquisito é um adjetivo pequeno para definir alguém tão "único" (esse é um adjetivo usado no próprio filme). Tommy é excêntrico, isso sim: tem seu próprio planeta, se recusa a falar sobre a própria vida, jura de "mindinho", dentre outras esquisitices. É por isso que, quando vai produzir seu filme e mostra não entender nada sobre o tema - ao invés de alugar uma câmera, decide comprar; ao invés de "filmar em 35 ou HD", decide filmar nas duas -, isso se torna normal. Ironicamente, Greg fica fascinado no começo, dizendo para sua mãe que ele é um bom amigo e que está sendo cuidado por ele. Mesmo quando a conversa com a mãe parece que vai tomar um viés mais dramático, não é essa a vocação do longa, que é inafastavelmente uma comédia. Claro, com uma personagem assim envolvida, seria um desperdício não ter humor. Existem várias cenas genuinamente cômicas, como a do ensaio na lanchonete, a que a mãe de Greg conhece Tommy (uma das melhores!) e a dos testes para o elenco do filme. É por isso que as temáticas sérias são abordadas superficialmente, como sua obsessão pela traição e sua rejeição ao papel de vilão. Porém, não se pode deixar de lado a ótima atuação de James Franco, que faz um overacting necessário, como na cena hilária em que a personagem tenta perder o sotaque. A dicção que Franco dá a Tommy é engraçada por si só, parecendo que tem sempre algo na boca, dando uma sonoridade anasalada à fala.

Para alguém não muito experiente na área, James Franco não vai mal como diretor, ainda que seja muito melhor ator. Seu grande acerto é a entrada triunfante da personagem que interpreta, fazendo um pequeno suspense para mostrar seu rosto, até inserir uma cena intensa, ainda que praticamente ininteligível. A mise en scène não é ruim, o que se percebe do apartamento de Tommy em São Francisco, enfatizando seu narcisismo (exagero nos autorretratos) e o descaso com a organização do local, totalmente distinto do outro apartamento, muito mais organizado, já que não é ocupado.

Um erro da produção é acabar sendo maniqueísta, fazendo de Greg um mártir e de Tommy o vilão que ele nunca quis ser. Este até recebe algumas perspectivas mais cinzentas, mas aquele certamente é pintado como vítima deste, o que soa simplista, já que a interação entre eles sempre foi por opção. Isto é, Greg se aproximou de Tommy (e fez tudo mais) porque quis, tendo a chance, inclusive, de rejeitar a proposta de participar de "The Room". Nada disso apaga, contudo, a reflexão central do longa, já mencionada. É algo sobre o que vale a pena pensar após se divertir com o excêntrico Tommy Wiseau.

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