A LENDA DE TARZAN é um filme necessário? É evidente que não. Logo, legítimo concluir que é mais um exemplar do escancarado ocaso de criatividade em Hollywood, sintoma que tem sido agravado mais e mais, cujo tratamento é evitado pelo grande público (os circuitos alternativos). Isto é, a película é mais do mesmo. A não ser que apresentasse uma mudança de paradigma - o que não é o caso -, seria um filme para cair no esquecimento. Como de fato é.
Em tese, um filme começa com um enredo. No caso de "A Lenda de Tarzan", tendo em vista a existência de diversas obras pretéritas - afinal, a história original é do início do século XX -, o roteiro tenta enganar o espectador ao apresentar um Tarzan já totalmente integrado à civilização como nobre e vivendo com sua esposa Jane neste contexto do fim do século XIX. Ele passa a ser conhecido como John Clayton III, ou Lorde Greystoke, refutando para todas as pessoas (exceto um grupo de crianças) o nome de Tarzan (inclusive, Jane a chama de John). Em síntese, ele acaba sendo envolvido sem querer em uma trama obscura: o rei belga pretende enriquecer e ter um exército de escravos com o que o Congo oferece, para isso, o aval do Chefe Mbonga (líder de uma tribo local) se mostra necessário, razão pela qual Leon Ron (enviado do rei) atrai Tarzan Lorde Greystoke para que retorne ao Congo e sofra a vingança pretendida por Mbonga. A rigor, o vilão é o rei belga (que nem aparece), pois Leon, vilão de fato, é apenas seu capanga, e Mbonga é um obstáculo lógico. O roteiro erra também ao sugerir subtramas jamais aprofundadas, como a briga entre Tarzan e seu irmão (de criação, o gorila) Akut e, principalmente, o histórico de George (personagem que merece observação à parte). A rixa entre Tarzan e Mbonga, por outro lado, é límpida. Ainda, o script comete erros primários como um terceiro ato óbvio e previsível e a utilização de um deus ex machina nada plausível - ainda que se considere a diegese bastante fantasiosa.
Na mesma linha de raciocínio, a construção das personagens é deficiente, e as atuações não extraem mais do que o plot oferece. O plurinominado Tarzan é vivido por Alexander Skarsgard, que não consegue oferecer muito mais que o corpo sarado digno da personagem (embora estranho na trajetória do herói, afinal, ele estava há 8 anos distante da natureza, o que não parece quando retorna, pois seu fôlego continua sendo o de um atleta). O ator se esforça (para além da aparência), fazendo uma voz contida quando "está" Lorde e aparentando estar menos inibido ao retornar ao Congo. Contudo, não é um Tarzan lá muito fascinante: com poderes exagerados em demasia - a tautologia parece equivocada, mas é proposital para enfatizar o excesso (em uma luta com o Superman, talvez o kriptoniano perdesse) - e um grito prejudicado pela mixagem de som (ao invés de privilegiá-lo, o camufla), não é aquele Tarzan que encanta como deveria. A rigor, é quase uma máquina, um Tarzan sem personalidade alguma: em nenhum momento é possível saber o que ele pensa ou sente, pois o que ele faz é enfrentar tudo e todos para "tirar sua amada das garras do vilão" (original, não?). É unidimensional, exceto ao aceitar a empreitada, por insistência de George (um flerte com preocupação humanitária, jamais verticalizada). Quem é Tarzan? Duas horas de filme não explicam. Jane também não é uma personagem cativante em razão da covardia no roteiro: é bem verdade que ela, já no início, enfrenta o marido por querer voltar ao Congo, e também é verdade que ela não tem medo de Leon Ron (alguém teria?), sem contar que ela acaba sendo a salvadora em determinado momento... ou seja, ela até demonstra coragem, mas, na prática, não sai do arquétipo de donzela em perigo. É a mocinha sequestrada que precisa do salvamento do seu herói. Afirmar que o contexto da época explicaria tal lógica é uma fundamentação possível, mas não merece prosperar porque o contexto atual é outro. O roteiro perdeu a oportunidade de revolucionar a história do casal, fazer a mencionada mudança de paradigma. E se a ideia era fincar os pés no século XIX, Jane não cuspiria na face de Rom. A personagem fica em cima do muro: audaciosa, porém indefesa. O resultado é que prejudica a atuação de Margot Robbie, que pode ser mais que uma mulher belíssima, quiçá uma boa atriz, mas que não pode, ainda, demonstrar o talento. Robbie está lá para embelezar a tela, porque o papel poderia ser assumido por qualquer atriz.

Depois de quatro filmes da franquia "Harry Potter", David Yates opera uma direção ruim: o 3D é modesto; os planos costumam ter pouca nitidez por explorar o sol em demasia; há uma preocupação exacerbada com o didatismo; e a sutileza passa longe do filme. Não que Yates seja ruim, desta vez é que ele errou. Por que ser tão didático? Se o plot parte da premissa que a história básica de Tarzan já é conhecida, qual o motivo da narração intradiegética em que Jane explica a lenda do marido para George? Qual a razão para os terríveis flashbacks estruturalmente aleatórios? O primeiro é com fotografia esverdeada e narração voice over para distanciar do presente diegético; o segundo é uma lembrança pessoal (bastante subjetivo); o terceiro retoma a fotografia esverdeada e faz um rejuvenescimento em CGI tenebroso a partir da memória de outra personagem... não houve critério algum em tais cenas, a não ser o escopo inútil de "mastigar" eventos anteriores. O espectador já conhece a história, mas esqueceu? Da mesma forma, por que Tarzan abandona os trejeitos de lorde e volta à selvageria logo quando Jane é capturada (cena com George), para depois retomar a polidez? (Não que não faça sentido, só é contrário à sutileza que deveria ter) Sim, no geral, os enquadramentos são aceitáveis e existem cenas reconfortantes (a principal é a recepção do casal no Congo), entretanto, por outro lado, as cenas de ação são pavorosas - cortes incessantes, esquivar-se de mostrar impactos e bastante slow motion indicam coreografia ruim ou drible à censura de idade, ou ambos, como é provável no caso. Até mesmo os efeitos visuais não são um primor, especialmente ao comparar este longa com outro live action recente, "Mogli: o Menino Lobo" (imensamente superior no quesito). O uso de matte paintings pode enganar parcela do público, mas a artificialidade está lá.
Dito tudo isso, conclui-se que "A Lenda de Tarzan" é um filme que nasce de uma ideia ruim, mal executado e que resulta em um produto fraco. Tem algum entretenimento ali, no estilo "chiclete para o cérebro", mas nada que mereça grandes elogios. Não chega a ser ruim, não é ofensivo, nem deveras retrógrado. É apenas quase uma perda de tempo ("quase", afinal, cinema jamais é perda de tempo).
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