segunda-feira, 25 de julho de 2016

A Lenda de Tarzan -- Quase uma perda de tempo


A LENDA DE TARZAN é um filme necessário? É evidente que não. Logo, legítimo concluir que é mais um exemplar do escancarado ocaso de criatividade em Hollywood, sintoma que tem sido agravado mais e mais, cujo tratamento é evitado pelo grande público (os circuitos alternativos). Isto é, a película é mais do mesmo. A não ser que apresentasse uma mudança de paradigma - o que não é o caso -, seria um filme para cair no esquecimento. Como de fato é.

Em tese, um filme começa com um enredo. No caso de "A Lenda de Tarzan", tendo em vista a existência de diversas obras pretéritas - afinal, a história original é do início do século XX -, o roteiro tenta enganar o espectador ao apresentar um Tarzan já totalmente integrado à civilização como nobre e vivendo com sua esposa Jane neste contexto do fim do século XIX. Ele passa a ser conhecido como John Clayton III, ou Lorde Greystoke, refutando para todas as pessoas (exceto um grupo de crianças) o nome de Tarzan (inclusive, Jane a chama de John). Em síntese, ele acaba sendo envolvido sem querer em uma trama obscura: o rei belga pretende enriquecer e ter um exército de escravos com o que o Congo oferece, para isso, o aval do Chefe Mbonga (líder de uma tribo local) se mostra necessário, razão pela qual Leon Ron (enviado do rei) atrai Tarzan Lorde Greystoke para que retorne ao Congo e sofra a vingança pretendida por Mbonga. A rigor, o vilão é o rei belga (que nem aparece), pois Leon, vilão de fato, é apenas seu capanga, e Mbonga é um obstáculo lógico. O roteiro erra também ao sugerir subtramas jamais aprofundadas, como a briga entre Tarzan e seu irmão (de criação, o gorila) Akut e, principalmente, o histórico de George (personagem que merece observação à parte). A rixa entre Tarzan e Mbonga, por outro lado, é límpida. Ainda, o script comete erros primários como um terceiro ato óbvio e previsível e a utilização de um deus ex machina nada plausível - ainda que se considere a diegese bastante fantasiosa.

Na mesma linha de raciocínio, a construção das personagens é deficiente, e as atuações não extraem mais do que o plot oferece. O plurinominado Tarzan é vivido por Alexander Skarsgard, que não consegue oferecer muito mais que o corpo sarado digno da personagem (embora estranho na trajetória do herói, afinal, ele estava há 8 anos distante da natureza, o que não parece quando retorna, pois seu fôlego continua sendo o de um atleta). O ator se esforça (para além da aparência), fazendo uma voz contida quando "está" Lorde e aparentando estar menos inibido ao retornar ao Congo. Contudo, não é um Tarzan lá muito fascinante: com poderes exagerados em demasia - a tautologia parece equivocada, mas é proposital para enfatizar o excesso (em uma luta com o Superman, talvez o kriptoniano perdesse) - e um grito prejudicado pela mixagem de som (ao invés de privilegiá-lo, o camufla), não é aquele Tarzan que encanta como deveria. A rigor, é quase uma máquina, um Tarzan sem personalidade alguma: em nenhum momento é possível saber o que ele pensa ou sente, pois o que ele faz é enfrentar tudo e todos para "tirar sua amada das garras do vilão" (original, não?). É unidimensional, exceto ao aceitar a empreitada, por insistência de George (um flerte com preocupação humanitária, jamais verticalizada). Quem é Tarzan? Duas horas de filme não explicam. Jane também não é uma personagem cativante em razão da covardia no roteiro: é bem verdade que ela, já no início, enfrenta o marido por querer voltar ao Congo, e também é verdade que ela não tem medo de Leon Ron (alguém teria?), sem contar que ela acaba sendo a salvadora em determinado momento... ou seja, ela até demonstra coragem, mas, na prática, não sai do arquétipo de donzela em perigo. É a mocinha sequestrada que precisa do salvamento do seu herói. Afirmar que o contexto da época explicaria tal lógica é uma fundamentação possível, mas não merece prosperar porque o contexto atual é outro. O roteiro perdeu a oportunidade de revolucionar a história do casal, fazer a mencionada mudança de paradigma. E se a ideia era fincar os pés no século XIX, Jane não cuspiria na face de Rom. A personagem fica em cima do muro: audaciosa, porém indefesa. O resultado é que prejudica a atuação de Margot Robbie, que pode ser mais que uma mulher belíssima, quiçá uma boa atriz, mas que não pode, ainda, demonstrar o talento. Robbie está lá para embelezar a tela, porque o papel poderia ser assumido por qualquer atriz.

No cast estão também Jim Broadbent e Djimon Hounsou: aquele como Primeiro-Ministro, este como Chefe Mbonga. Dois bons atores desperdiçados em papéis pequenos. Quanto a Samuel L. Jackson e Christoph Waltz, engana-se quem afirma que os dois interpretaram papéis em sua zona de conforto. Jackson e Waltz saem das personagens costumeiras e, analisando atentamente, trazem nuances diferenciadas em relação aos papéis pretéritos - porém, nada extraordinário. Coube a Jackson viver George Washington Williams, o braço-direito de Tarzan que o herói tinha acabado de conhecer. Williams aponta para uma preocupação humanitária sua e do governo estadunidense (que é conhecido por ser altruísta e pacificador), e a preocupação com a escravidão, se aprofundada, enriqueceria bastante o roteiro. Mas não: o George de Samuel é alívio cômico e (praticamente) só isso. Já é uma leve novidade para o ator, ao menos enquanto coadjuvante. O que marca sua participação é uma vulnerabilidade incomum para os coadjuvantes vividos por Jackson: comparando, por exemplo, com Nick Fury ("Vingadores"), que é onisciente e onipresente, George é muito mais limitado e humano (chega até a atitudes que ele mesmo consideraria humilhantes em outro contexto que não o da selva), o famoso "gente como a gente". Corajoso, mas tolhido pelas limitações inerentes à condição de ser humano (o que, paradoxalmente, não se dá com o protagonista). Claro, o carisma ímpar de Samuel L. Jackson agrega bastante à película, pois sua escolha não foi à toa. O mesmo não se pode afirmar de Waltz. O vilão Leon Ron começa apresentando traços de Richmond Valentine (ironicamente, interpretado por Jackson, em "Kingsman: Serviço Secreto"): na cena do prólogo, ele parece desconfortável com os tiros, aparenta não gostar de violência também ao se esconder embaixo de escudos, contudo, ele mostra que sabe se defender quando necessário, e sem dificuldade. Rom não é um lutador, mas, se preciso, luta contra quem estiver contra ele. Quanto a ele, duas observações ainda merecem ser feitas. A primeira é que Waltz finalmente interpreta um papel semelhante de forma diferente: embora o perfil de Rom seja bem similar aos vilões que se tornaram especialidade do ator, e que parecem ter iniciado com Hans Landa ("Bastardos Inglórios"), sua interpretação mais contida e bem menos empolgada, o que não é difícil de visualizar. Blofeld ("007 contra Spectre") é uma nova versão de Landa, o mesmo não se pode afirmar de Leon Ron, graças ao trabalho do ator. Enfim ele trabalhou. A segunda observação é a inteligente metáfora da hipocrisia de alguns religiosos que se amparam na religião para cometer atitudes que, em tese, seriam por ela condenadas. Por exemplo, pastores que enriquecem às custas de fiéis. É este o simbolismo de Rom ao usar um terço como arma.

Depois de quatro filmes da franquia "Harry Potter", David Yates opera uma direção ruim: o 3D é modesto; os planos costumam ter pouca nitidez por explorar o sol em demasia; há uma preocupação exacerbada com o didatismo; e a sutileza passa longe do filme. Não que Yates seja ruim, desta vez é que ele errou. Por que ser tão didático? Se o plot parte da premissa que a história básica de Tarzan já é conhecida, qual o motivo da narração intradiegética em que Jane explica a lenda do marido para George? Qual a razão para os terríveis flashbacks estruturalmente aleatórios? O primeiro é com fotografia esverdeada e narração voice over para distanciar do presente diegético; o segundo é uma lembrança pessoal (bastante subjetivo); o terceiro retoma a fotografia esverdeada e faz um rejuvenescimento em CGI tenebroso a partir da memória de outra personagem... não houve critério algum em tais cenas, a não ser o escopo inútil de "mastigar" eventos anteriores. O espectador já conhece a história, mas esqueceu? Da mesma forma, por que Tarzan abandona os trejeitos de lorde e volta à selvageria logo quando Jane é capturada (cena com George), para depois retomar a polidez? (Não que não faça sentido, só é contrário à sutileza que deveria ter) Sim, no geral, os enquadramentos são aceitáveis e existem cenas reconfortantes (a principal é a recepção do casal no Congo), entretanto, por outro lado, as cenas de ação são pavorosas - cortes incessantes, esquivar-se de mostrar impactos e bastante slow motion indicam coreografia ruim ou drible à censura de idade, ou ambos, como é provável no caso. Até mesmo os efeitos visuais não são um primor, especialmente ao comparar este longa com outro live action recente, "Mogli: o Menino Lobo" (imensamente superior no quesito). O uso de matte paintings pode enganar parcela do público, mas a artificialidade está lá.

Dito tudo isso, conclui-se que "A Lenda de Tarzan" é um filme que nasce de uma ideia ruim, mal executado e que resulta em um produto fraco. Tem algum entretenimento ali, no estilo "chiclete para o cérebro", mas nada que mereça grandes elogios. Não chega a ser ruim, não é ofensivo, nem deveras retrógrado. É apenas quase uma perda de tempo ("quase", afinal, cinema jamais é perda de tempo).

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