Qual é o melhor filme?
Dos nove indicados ("Me Chame Pelo Seu Nome", "O Destino de uma Nação", "Dunkirk", "Corra!", "Lady Bird: A Hora de Voar", "Trama Fantasma", "The Post - A Guerra Secreta", "A Forma da Água" e "Três Anúncios para um Crime"), três títulos eram os favoritos: "Corra!", "A Forma da Água" e "Três Anúncios para um Crime".
Os números dariam explicações interessantes se o desfecho fosse diferente do que foi. Se "Corra!" vencesse, a Academia estaria mantendo uma tradição de considerar como melhor filme o que tem o melhor roteiro. Isso vem acontecendo desde 2013: em 2017, "Moonlight: Sob a Luz do Luar" (melhor roteiro adaptado e melhor filme); em 2016, "Spotlight - Segredos Revelados" (melhor roteiro original e melhor filme); em 2015, "Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)" (idem); em 2014, "12 Anos de Escravidão" (melhor roteiro adaptado e melhor filme); em 2013, "Argo" (idem). Isto é, a última vez que o melhor filme não foi o vencedor na categoria de melhor roteiro tinha sido em 2012, quando "O Artista" venceu como melhor filme, enquanto "Meia-Noite em Paris" ficou como melhor roteiro original e "Os Descendentes" como melhor roteiro adaptado. Esse fato se repetiu agora em 2018.

Mas os votantes da Academia não quiseram que prevalecesse a lógica do roteiro, que poderia premiar "Corra!" ou (menos provável) "Me Chame Pelo Seu Nome". E também não viram problema em repetir o vencedor na categoria de direção. "A Forma da Água" venceu em quatro categorias (das treze em que foi indicado) - melhor filme, melhor diretor, melhor design de produção e melhor trilha sonora -, consagrando-se merecidamente como o grande vencedor da noite.
O longa é realmente o melhor? Quando os filmes alcançam certo patamar de qualidade, a distinção entre um e outro reside no campo pessoal, especificamente na esfera da passionalidade. Que o filme é excelente não há dúvida, já que fez história na sétima arte (o recordista de indicações até hoje foi "La La Land: Cantando Estações", com quatorze, ano passado). Se é ou não o melhor é difícil e inócuo afirmar.
E os demais ganharam o quê?

O alardeado "Três Anúncios para um Crime" não conseguiu se dar bem com seu Oscar bait, abocanhando duas estatuetas de atuação: melhor atriz (Frances McDormand) e melhor ator coadjuvante (Sam Rockwell). Ainda que previsível a vitória de McDormand, Sally Hawkins teve mais mérito em seu trabalho delicado. Enquanto esta precisou interpretar com pouco material, àquela bastou força explosiva e agressividade, o que, no senso comum, é sinônimo de boa atuação. É um trabalho mais fácil, isso sim.
Ainda na atuação, "O Destino de uma Nação" venceu na categoria de melhor ator, dando a Gary Oldman o Oscar que ele certamente aguardava há muito. O filme ficou com duas estatuetas, pois venceu também na categoria de maquiagem e penteado.
Com duas estatuetas ficaram também "Blade Runner 2049" (fotografia e efeitos visuais) e "Viva - A Vida é uma Festa". No primeiro caso, nada a contestar. No segundo, o prêmio como melhor animação era mais que esperado, afinal, a produção é Disney e Pixar. Porém, dar a vitória a "Remember Me" enquanto "This Is Me" (de "O Rei do Show") estava no páreo foi uma atrocidade.
Enquanto isso, "Me Chame Pelo Seu Nome", "Corra!", "Trama Fantasma" e "Eu, Tonya" ficaram com somente um prêmio cada um: respectivamente, melhor roteiro adaptado, melhor roteiro original, melhor figurino e melhor atriz coadjuvante (Allison Janney).
Qual a mensagem da Academia?
Na verdade, há mais de uma.
A primeira, de menor relevância e mais fria, é a de que não havia nenhum filme "arrasa-quarteirão" nessa temporada. De maneira subsidiária, entenderam que "A Forma da Água", como conjunto, era substancialmente melhor que os concorrentes (por isso ganhou como melhor filme e melhor diretor), enquanto "Dunkirk" e "Blade Runner 2049" eram filmes de menor apelo junto ao público, mas de esplendor técnico (por isso ganharam nas categorias técnicas mencionadas acima). E não há como discordar.
A segunda mensagem, muito mais relevante e paradigmática, é a da abertura à representatividade. Dito de outra forma, esse foi o Oscar da representatividade.
Mulheres apareceram. O filme "Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi" fez história através dos nomes de Rachel Morrison, primeira mulher na história indicada ao Oscar de fotografia, e de Dee Rees, primeira mulher negra a concorrer na categoria de roteiro adaptado (ano passado, foi um homem negro que ganhou). Embora não tenha sido a primeira, não é despiciendo recordar que Greta Gerwig foi a quinta mulher concorrendo na categoria de direção (por "Lady Bird - A Hora de Voar") - em noventa anos, o número é assustador. Aliás, as mulheres apareceram também no grande vencedor da noite: o último filme protagonizado por uma mulher a ganhar a estatueta de melhor filme foi "Menina de Ouro", em 2005.

Negros apareceram. Além dos nomes já mencionados, Jordan Peele é o primeiro negro a concorrer concomitantemente nas categorias de melhor filme, direção e roteiro (original). Mas é também o primeiro negro a levar a estatueta de melhor roteiro original, por "Corra!". Peele é um representante desse grupo que ainda sofre discriminação e que ainda luta pela igualdade.

Mexicanos apareceram (e já têm aparecido). A história recente não permite sequer àquele presidente xenófobo refutar: nos últimos cinco anos, cineastas mexicanos venceram quatro vezes. Em 2014, foi Alfonso Cuarón ("Gravidade"); em 2015, Alejandro González Iñárritu ("Birdman"); em 2016, Iñárritu novamente ("O Regresso"). A hegemonia foi quebrada apenas ano passado, quando, como já mencionado, Damien Chazelle venceu com "La La Land". Porém, agora mais um mexicano se deu bem: Guillermo del Toro com seu "A Forma da Água".
É importante mencionar, ainda, que "A Forma da Água" é uma verdadeira ode às minorias e aos grupos vulneráveis - mulheres, transgêneros, negros, idosos, homossexuais, imigrantes, enfim, todas as pessoas que, por quaisquer motivos, sofram qualquer tipo de discriminação. Em tempos de intolerância, radicalismo, preconceito e retrocesso, a vitória do filme de del Toro é uma vitória do senso de humanidade que ainda pode existir em algumas pessoas. É um Oscar que dá visibilidade a uma obra de arte primorosa, mas que, com sorte, permite uma reflexão oportuna sobre respeito às diferenças e convivência pacífica com todo aquele que não é igual. O que del Toro quer é que o homem seja menos monstro e mais humano. Que a vitória seja dele, mas também de todos.
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