quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O que te Faz Mais Forte -- Só comove os corações frágeis

Existe algo especial em O QUE TE FAZ MAIS FORTE, algo que o torne diferenciado em relação aos demais dramas baseados em histórias reais? Certamente não. No máximo, a boa atuação do protagonista, o que não justifica uma obra inteira. Ou seja, é mais um filme descartável que arranca dinheiro dos desavisados e lágrimas dos emotivos.

O longa apresenta Jeff Bauman, um homem comum que se torna herói por sobreviver a um atentado terrorista, perdendo a maior parte das suas pernas, enquanto esperava seu amor, Erin, finalizar a Maratona de Boston. A relação de Jeff e Erin é o fio condutor da narrativa, revelando-se deveras frágil, a começar pelo fato de não explicar muito bem a razão de a moça ter terminado três vezes o namoro. Não obstante, ele continua apaixonado e dá várias demonstrações nesse sentido, tanto que a primeira pergunta que faz quando acorda após o evento é se ela está bem. O problema é que, mais adiante, ele acaba fazendo chantagem emocional com ela, o que descaracteriza a naturalidade do relacionamento - sem contar o heroísmo do protagonista.

Outra razão dessa fragilidade é que Tatiana Maslany se mostra uma péssima atriz, ao menos no papel de Erin. É verdade que a personagem não é fácil, pois é difícil expor sentimentos dúbios quando se está cedendo a uma chantagem da pessoa por quem sente tais sentimentos. Na reaproximação, fica a dúvida sobre o que ela sente, não por habilidade da atriz em ser enigmática (bom se fosse por isso!), mas por sua incapacidade dramática. Sua única possível desculpa é que, talvez, o diretor não a soubesse orientar, todavia, a ausência de emoção na cena do acidente comprova sua inabilidade, pois ela é ruim mesmo nas emoções mais intensas. Ironicamente, há um abismo em relação ao ator responsável por interpretar Jeff: ainda que não seja o melhor trabalho de Jake Gyllenhaal, ele já é facilmente considerado um dos melhores de sua geração, extraindo o máximo potencial da produção fajuta. Considerando que é o protagonista, o ator não tem muitas falas no script, pois a personalidade da personagem não é verborrágica, contudo, o que ele faz é utilizar muito as expressões faciais e o olhar para expor as emoções. Não é o melhor trabalho de Gyllenhaal não por falta de esforço seu, mas porque o filme é limitadíssimo, para dizer o mínimo, apesar do seu esforço.

Isso sem contar que, como personagem, Jeff tem seus predicados. Bem humorado a ponto de fazer piadas sobre as próprias pernas - ou melhor, a ausência delas -, é humano o suficiente para ficar bêbado com amigos em razão do estresse do cotidiano (talvez mais vezes do que deveria) e para ser apenas mais um cidadão estadunidense fanático por baseball - aliás, o patriotismo como subtexto, mesmo quando implícito, é marcante na obra (and God bless America). O roteiro fica interessante quando ele refuta a posição de herói que as pessoas imputam a ele, primeiro porque ele não entende a razão de ter se tornado a "força de Boston", segundo porque há um notório exagero (chegam a dizer que ele venceu os terroristas!), e terceiro porque ele simplesmente não quer essa responsabilidade. O ápice do plot reside no conflito entre o que a família quer para ele (em especial sua mãe) e o que ele quer (e precisa para si): o tema é excelente, mas muito mal trabalhado, salvo na cena em que mencionam uma famosa apresentadora. Se melhor abordada a matéria, renderia uma reflexão mais profunda, já que esse conflito pode existir em qualquer relação fraterna - afinal, não raro os pais desejam algo diferente para os filhos do que o que eles mesmos desejam para si. Na película, a mãe (excelente trabalho de Miranda Richardson, em nível equivalente ao de Gyllenhaal) está orgulhosa de seu filho herói, quer que ele seja exposto, como se fosse um objeto. Por outro lado, ele não quer ser colocado nessa situação simplesmente porque o faz lembrar o que aconteceu, o que se torna doloroso.

A despeito de uma ou outra boa ideia, o roteiro é muito ruim: o argumento é clichê, o desenvolvimento é mal conduzido e o desfecho é pavoroso - além de extremamente previsível, é claro. Nas cenas finais, várias premissas cuja precedência não era distante são abandonadas para dar ao longa um final que agradasse o público. Evidentemente, a história real é essa, não se questiona, aqui, a veracidade do conteúdo do desfecho, mas sim a forma repentina e incoerente pela qual ele é retratado.

A direção de David Gordon Green não é exceção à má qualidade geral do longa. Nos pequenos momentos, prevalecem acertos, como ao demonstrar os prejuízos de Jeff após o acidente (da dificuldade em levantar-se da cama até pegar o papel higiênico distante no banheiro) e a ótima cena em que aparece o chefe do protagonista, falando sobre o seguro deste para a sua família. A cena da troca de curativos é provavelmente a melhor da película: com pouca profundidade de campo, Jeff fica em primeiro plano, de modo que o foco fica sempre nele, fazendo expressão de dor, enquanto que, ao fundo, aparecem desfocadas as suas pernas e a equipe médica. No que é principal, o acidente, o diretor erra: a cena do acidente é mal filmada (começa da perspectiva de Jeff, de perto; depois vai para a perspectiva de Erin, que vê de longe, fingindo - já que a atriz é ruim - perplexidade) e os flashes do ocorrido não têm aparência de algo chocante, na verdade, soam como sensacionalistas, em especial pelo uso da trilha sonora. Tudo fica muito piegas, de modo que as imagens de noticiários mostrando o estouro parecem muito mais autênticas.

Ironicamente, o "herói do herói", aquele que salvou Jeff, é o mais subaproveitado (para dizer o mínimo) do filme, tendo poucos minutos, apesar de receber o rótulo mencionado. Com uma singela mensagem segundo a qual ajudar faz bem, já na fase de encerramento do longa, Carlos respalda tudo que a produção planejava: era um projeto rasteiro de comoção dos corações mais frágeis. O espectador atento e experiente não se deixa levar, sabendo que existem produções muito melhores.

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