quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Lady Bird - A Hora de Voar -- Singelo e Preciso


Hoje o Recanto do Cinéfilo tem a honra de publicar um texto do amigo e colega Robinson Samulak Alves, que nos brinda mais uma vez aqui com a sua participação como crítico convidadoDessa vez, com a crítica de LADY BIRD - A HORA DE VOAR, filme que estreia hoje nos cinemas e que foi indicado em 5 categorias do Oscar (Filme, Direção, Atriz, Atriz Coadjuvante e Roteiro Original). Aqui vai!
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Abordar a realidade não é tarefa fácil no cinema. O filme precisa ser cativante o suficiente para conquistar o público, mas não pode se distanciar do real. Não há como se apegar na ficção. Assim, o roteiro tem que tocar em pontos importantes e a direção tem que contar a história de forma atrativa. “Lady Bird” é um exemplo bem sucedido de como unir os dois elementos, apesar de não oferecer nada genuinamente novo.

O longa acompanha a jovem Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan). No limiar entre a adolescência e a vida adulta, e cansada da vida em Sacramento, sonha em estudar numa grande universidade. Isso, porém, só intensifica os conflitos com sua mãe, Marion (Laurie Metcalf). Conforme o tempo passa e o momento decisivo se aproxima, a jovem lida com tudo o que pode acontecer com uma garota de 17 anos.

Há uma sensibilidade poética que acompanha a obra e a (de)limita. Greta Gerwig sabe o que quer e não faz rodeios. Ao mesmo tempo, a diretora consegue manter a execução do filme sem pressa, desenvolve as personagens, cada uma no seu tempo, pois sabe que depende disso para transmitir o realismo necessário. Assim, resta ao público se deixar levar através das camadas (e são muitas) do filme. E aqui, a forma como isso acontece é a verdadeira chave do sucesso.

Saoirse Ronan é tão dona de sua personagem, quanto Lady Bird é de Christine. A atriz transmite dúvidas, mas tenta se mostrar segura, afinal é uma jovem prestes a completar dezoito anos. É o limiar entre a segurança do ninho (afinal ela é a Lady Bird) e a incerteza do futuro. É o momento em que se abandona o carinho dos pais para receber tapas da sociedade. Mas assim como qualquer pessoa nesta condição, a insegurança de Christine é ofuscada pela sua arrogância juvenil.

E enquanto a protagonista é revelada (sempre aos poucos, insisto), outras personagens cruzam sua vida. Os primeiros relacionamentos - e a frustração do primeiro eterno amor que chega ao fim precocemente - que passam a assumir cada vez mais relevância na vida da garota, disposta a negar a si mesma para se sentir parte de algo maior. Mas, enquanto ela vive a efemeridade que sua classe social não lhe permite, seu desenvolvimento atinge novos patamares.

Mais interessante é a sutileza adotada pelo roteiro para não planificar a própria história. Os pais de Christine (pois apesar deles a aceitarem como Lady Bird, este foi o nome por eles escolhido, e o roteiro é objetivo nesse sentido) configuram um interessante espectro de desenvolvimento. Larry (Tracy Letts) é gentil e carinhoso, sabe que pode estar prejudicando a filha pelos excessos (de carinho, não material), mas se vê impotente em diversos níveis. Todavia, Marion vem no sentido contrário: também sente que pode estar prejudicando sua filha, mas pelo excessivo rigor. Não há maldade em nenhum em seus atos (embora alguns soem de forma cruel), mas ela sabe dos limites da família e se mostra a única verdadeiramente decidida a enfrentar as consequências pela família.

Talvez falte apenas um pouco mais de originalidade no roteiro, que se mantém sempre tão constante que, embora não incomode por entregar mais do mesmo, torna-se suscetível ao esquecimento - algo condenável num meio tão disputado de atenção e que clama pela novidade.

Em tempos difíceis, filmes como “Lady Bird” são sempre bem vindos. É difícil não se identificar com alguma das personagens neste conto poético da vida banal. É um breve respiro de sanidade e leveza, mas é forte o suficiente para causar um mínimo de incômodo. Se não fosse, não seria tão real.

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