terça-feira, 28 de novembro de 2017

A Vilã -- Roteiro ruim muitíssimo bem dirigido

Pensado para ser o novo "Oldboy", A VILàé um projeto de filme grandioso que não passa de um roteiro ruim muitissímo bem dirigido. Logo, não pode ser qualificado como grandioso, mas tem suas qualidades que merecem o devido reconhecimento.

A protagonista é Sook-hee, uma moça que, após ver o pai ser assassinado, é treinada como máquina de combate, tornando-se uma assassina altamente eficaz, sem jamais esquecer a morte do genitor, da qual planeja se vingar. Em um de seus atos, ela é capturada por uma agência para que continue trabalhando como assassina, durante dez anos, após assumir uma nova identidade. Encarcerada e grávida, ela se prepara para regressar à sociedade nos moldes pretendidos pela agência. Porém, seu passado faz questão de retornar.

É perceptível que o argumento do longa é interessante e se alinha à tendência ideológica contemporânea de dar maior espaço para as mulheres na ação (girl power). Nesse sentido, não apenas a protagonista é uma mulher, mas a chefe da agência também é, deixando os homens com funções meramente burocráticas. Porém, o roteiro é fraquíssimo em seu desenvolvimento, pois repleto de furos, quando não é óbvio (como na revelação final, pretensamente bombástica).

A vida de Sook-hee se torna um Big Brother, pois ela é constantemente monitorada pela agência. Entretanto, não existem explicações, tudo fica à margem da película, deixando uma imensa sutura para o público. É como se o espectador ficasse na mesma condição da personagem: a agência sequestra assassinas e as obriga a matar em troca de conceder futuramente a liberdade, simples assim. Detalhes como quem (realmente) lidera a organização, como existem tantas assassinas, dentre outros, não são apresentados. Isso significa que, no fundo, o texto é superficial, já que não pensa em acrescentar camadas à sua trama, simplificando em demasia a narrativa.

<<SPOILER ALERT! Um exemplo prático: uma maneira interessante de dar maior densidade à trama era justificar a razão pela qual o marido de Sook-hee era alvo. Se, por exemplo, ele fosse líder de uma agência de assassinos rival à que ela trabalhasse, faria sentido que a ordem fosse matá-lo, adicionando um ingrediente profissional coerente ao enredo. Outra hipótese seria usar o material do celular que Sook-hee hackeou com a colega de maneira benéfica ao plot. Ora, a cena é praticamente inútil à narrativa, salvo para (1) mostrar que ela não é tão fria quanto pode parecer e (2) retomar a rivalidade da outra assassina. Todavia, agregaria mais à narrativa se a chefe mostrasse que, no celular, haviam informações sobre o marido da protagonista. Para não prejudicar o andamento da trama, poderia ser ao final. FIM DO SPOILER>>

O roteiro não pensou em ser bem construído, no máximo, preocupou-se em não ter incoerências gritantes - realmente, não tem. Episodicamente, faz um mosaico sobre a própria protagonista, mediante flashbacks que explicam sobre os traumas de sua infância e seu treinamento, contribuindo para a compreensão da sua personalidade. Porém, nada muito problematizador - melhor dizendo, nada muito complexo.

O segundo ato conta, surpreendentemente, com um gigantesco arco romântico: o plot da fria assassina em busca de vingança pela morte do pai é esquecido para dar lugar a um romance pouco convincente, ainda que bastante edulcorado. É quando a ação é diminuta, eventualmente esquecida, tornando a película menos interessante, já que não vocacionada a esse viés. Até porque existem furos no romance: <<SPOILER ALERT! nas aparências, o novo marido a aceita como ela é, sem saber o que ela faz (em tese, ela não revelou); da mesma forma, ela também não sabe exatamente o que ele faz. Porém, os dois disseram que não são o que fingem ser. Como seria mantido esse matrimônio? No momento que revelam um para o outro que têm segredos, não deveriam revelar os segredos? FIM DO SPOILER>>

Com tantos aspectos falhos, ainda assim o filme é muito bom graças à direção soberba  de Jung Byung-Gil. A título exemplificativo, o próprio prólogo já merece uma análise detida: sem se preocupar com explicações, inicia um enorme plano-sequência de matança, a primeira parte filmada em câmera subjetiva, cuja vantagem é facilitar a imersão do espectador - todavia, restringe a visualização da ação. A personagem usa mais de uma arma na luta, sendo clara a progressão na medida em que aumenta o sangue, a música e as mortes. Em determinado momento (genial!), a filmagem muda para câmera objetiva, humanizando a personagem, porque finalmente é possível visualizar que ela também é vulnerável aos golpes, de modo que a luta também fica enriquecida, já que os movimentos são vistos por completo - isto é, perde-se na imersão, ganhando na abrangência (visão mais global da ação). É um plano-sequência sensacional, com clara referência ao clássico "Oldboy", mas consciente da necessidade de inovar - tanto é assim que muda para a câmera objetiva quando a subjetiva começa a ficar monótona. As demais cenas de ação sempre conseguem manter altíssimo nível, seja com planos longos (como na cena do túnel, em que Sook-hee enfrenta dois homens em uma luta de espadas, os três em motocicletas), cenas fortes (violência na presença de uma criança) ou com cenas criativas (a protagonista chega a se pendurar com um machado na frente de um carro que ela estava dirigindo, após ter sido atropelada pelo mesmo carro, antes conduzido por outra pessoa). O plano-sequência no final também é digno de menção, pois está à altura da adrenalina do longa. Byung-Gil também não olvida técnicas clássicas, como sangue jorrando na tela.

"A Vilã" não se consagrará como clássico sul-coreano, mas certamente será apreciado pelo público apreciador de bons filmes de ação. Para quem gosta de filmes bem dirigidos, é obrigatório.

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