quarta-feira, 16 de março de 2016

A Bruxa -- Passo à frente no gênero

Terror é um gênero controverso em razão da dúvida residente na fronteira entre este e o suspense. "O Sexto Sentido", por exemplo, é terror ou suspense? Seja como for, "A Bruxa" tem uma virtude rara de quase não apelar para sustos repentinos naquele sistema clichê de movimento e som após inação e silêncio (uma única exceção, já mais ao final). Este truque banal foi abandonado, o que fez com que alguns fãs dos terrores convencionais se decepcionassem e chegassem ao equívoco de afirmar ser um drama ou suspense - dito de forma mais simples, o filme não agrada aos fãs do terror tradicional e ultrapassado, mas sim a quem busca algo novo. A fuga ao batido truque tem um significado simbólico, pois este não quer ser apenas mais um longa comum de terror, apostando em fazer diferenteE faz.

A história se passa na Inglaterra do século XVII, retratando já em seu prólogo a voraz intolerância religiosa (qualquer semelhança com o contemporâneo é mera coincidência): a família que protagoniza o longa se vê obrigada a mudar de residência pois sua fé era distinta da vista como correta pelas autoridades locais. Passam a habitar um ambiente bucólico (e o cotidiano campestre é bastante retratado) dentro daquele recorte temporal (da mesma forma, houve atenção com a linguagem pertinente), iniciando o medo do desconhecido em razão do sumiço de Samuel, o caçula: começam a desconfiar que Thomasin, a filha mais velha que cuidava do irmão bebê, é uma bruxa. Por outro lado, sua irmã também poderia ser, pois aparece falando com o bode apelidado de Black Phillip.

Como se vê, o grande acerto de "A Bruxa" é apostar mais nas sugestões que nas exposições, exceto na emblemática cena final. O epílogo não é ruim, mas que soa contraditório ante ao que é feito antes, em que a dúvida imperava. Não é apenas o terror que é sugerido, representado pela bruxaria, mas também, por exemplo, o interesse sexual entre Thomasin e Caleb, irmãos. Esta opção acertada de sugerir ao invés de expor deu ensejo a um ritmo demasiadamente lento na metade, o que frustra os já mencionados fãs do terror tradicional. De fato, o filme se torna um pouco monótono, sendo mais interessante prestar atenção aos aspectos técnicos que especular o rumo que a narrativa parece tomar. Assim, a briga entre Thomasin e Mercy, as duas irmãs, dá um fôlego à monotonia e indica o início dos questionamentos que o longa aborda, todos centrados na religiosidade. Nesse ínterim, a tenacidade da fé é ampliada com as dúvidas se as mulheres presentes seriam bruxas, pois todas elas têm o potencial para ser. É fato público e notório que, à época, praticamente tudo recebia explicação teológica (é por isso que o insucesso na fazenda foi explicado por uma maldição divina pela mãe), e tudo que soava extraordinário poderia ser rotulado como bruxaria se envolvesse uma mulher (não custa lembrar o enorme preconceito que as mulheres sofriam). Mais ainda ao se tratar de Thomasin, moça que não se enquadra no perfil passivo desejado por todos. Aliás, o título do filme faculta diversas interpretações - melhor dizendo, o filme em si admite diversas interpretações, corporificando o grande objetivo da arte (que não é exclusividade da sétima arte). Novamente é emblemática a cena final, vez que o encerramento exige uma visão holística do longa como um todo. De toda sorte, era muito mais fácil rotular de bruxaria o que não tinha explicação lógica, fato cujo resultado era a perseguição a algumas mulheres - e qualquer semelhança com o contemporâneo, novamente, é mera coincidência. O que se visualiza? A intolerância religiosa.

Não bastasse o acerto de Robert Eggers no roteiro, ele também foi feliz na direção. Isso porque, no que se refere aos aspectos técnicos, "A Bruxa" é excelente, em especial porque amplifica a narrativa - sugere mais do que expõe. A fotografia é apagada e opaca para dar o necessário tom sombrio e também histórico, usando a iluminação com luzes de fogueiras e principalmente velas (concedendo também realismo, é claro). A montagem tem pontuações com fade out que faz com que algumas cenas pareçam episódios, provavelmente para dar um alívio para a tensão gerada, além de expectativa pelo que vem a seguir. Também as atuações são muito boas, com destaque para a protagonista Thomasin (Anya Taylor Joy), que deu conta da difícil tarefa de imprimir alguma ambiguidade na personagem, sem impedir a identificação cinematográfica secundária. Porém, é o trabalho com o som que é magistral neste filme: a mixagem de som é formidável ao unir com delicadeza os sons diegéticos (aves, bebê, sopro do vento etc.) que são perceptíveis como deveriam ser à fantástica trilha sonora que favorece o medo e o suspense psicológico (marginalizando o sobrenatural explícito, apostando, como toda a obra, nas sugestões). Tudo colabora para um terror que deseja que o espectador tire suas conclusões e reflexões, sem necessariamente impor fatos dentro daquele universo diegético, como a maioria faz.

É por tais fatores que "A Bruxa" é um terror diferenciado. Não chega ao nível do brilhantismo porque a narrativa tem uma monotonia cansativa, e também porque o plot é monológico quanto à intolerância religiosa. Foi dado um passo à frente no gênero, não se pode negar. Talvez desejar mais passos signifique querer demais.

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